Quando em Fevereiro passado o INE
divulgou os dados trimestrais do emprego generalizou-se a convicção de que o desemprego
dos licenciados estaria a aumentar. Para isso muito contribuíram as parangonas
de diversos periódicos, mais interessados em oferecer cachas às direcções
editoriais do que em analisar rigorosamente a informação antes de a tornar
pública. Em vários casos, as opiniões dos especialistas que contactaram para
comentar aqueles dados parecem ter sido retalhadas e desinseridas do contexto,
oferecendo-se aos leitores um puzzle de explicações não encaixáveis e pouco
credíveis.
Esperando pela divulgação trimestral seguinte,
que ocorreu hoje, constata-se que o INE não retomou o destaque daquele tema,
pelo que nos parece justificar-se uma análise mais aprofundada do mesmo.
Está, ou não, a aumentar o desemprego
de licenciados?
Comecemos por rever alguns conceitos[1]. A população desempregada
é constituída pelos indivíduos em idade de trabalhar que não têm emprego, estão
imediatamente disponíveis ou apenas temporariamente indisponíveis para ocupar
um posto de trabalho e têm feito diligências para procurar emprego. Já o desemprego
registado é, grosso modo, o subconjunto daqueles indivíduos que se
encontram inscritos nos Centros de Emprego. Isto é, se o primeiro dos conceitos
tem a ver com a situação geral de desemprego, o segundo remete para uma das
formas de procura de emprego por parte dos desempregados.
Outra distinção que importa fazer é
entre fluxos de desemprego e stock
de desemprego, sendo importante quanto a este último considerar a sua estrutura
e composição. Finalmente, importa ter em atenção que os dados que estão em
apreciação são dados trimestrais, não estando corrigidos da sazonalidade; assim,
é natural que se assista, eventualmente, a um aumento do desemprego após o
efeito expansivo do Verão, por exemplo. A forma correcta de proceder à análise
da evolução temporal consiste, então, em se compararem trimestres homólogos, o
que reduz drasticamente o número de observações quando em presença de um
período curto.
O que nos dizem, então, os dados?
Os dados anualizados do INE revelam-nos que a
taxa de desemprego de licenciados, seja à procura de primeiro emprego ou de
novo emprego, tem vindo a diminuir sempre desde 2013. Constatando – se que a taxa de desemprego dos jovens tem vindo
a diminuir mais acentuadamente do que a taxa global, convirá aprofundar a
análise para averiguar se este “efeito idade” se estenderá também, ou não, ao
desemprego de licenciados.
Não é fácil proceder-se a esta análise mais
aprofundada a partir das estatísticas nacionais acessíveis ao grande público. No
entanto, a base de dados da Comissão Europeia - EUROSTAT[2]- permite aceder a uma
grande diversidade de cruzamentos e combinações das variáveis pertinentes por
simples consulta on line. Ora o INE é
o interlocutor nacional junto do EUROSTAT, ao qual transmite obrigatoriamente
os dados oficiais da nossa economia; assim, por um simples procedimento de by pass, acedemos a combinações e
cruzamentos dos nossos dados aos quais internamente só teríamos acesso por
solicitação específica.
Procedemos então à consulta, naquela
base, da evolução da taxa de desemprego dos licenciados portugueses desagregada por cinco
grupos etários: 20-24, 25-29, 30-34, 35-39 e 40-59 anos. O resultado coincide
com as conclusões anteriores – em todos aqueles intervalos de idades a taxa de
desemprego de licenciados diminui sistematicamente desde 2012 ou 2013.
De onde surge, assim, a convicção de
que o desemprego de licenciados está a aumentar?
Considerámos, seguidamente, as
estatísticas do IEFP para obtermos o comportamento do desemprego registado. E então,
sim, o mistério começa a desvendar-se: o desemprego registado de licenciados
inscritos em centros de emprego veio a crescer sempre desde 2009, acentuando-se
esta tendência nos escalões etários superiores. Ou seja, não é o desemprego de
licenciados que aumenta mas sim o sub-conjunto dos que procuram emprego através
dos centros de emprego, compondo assim o desemprego registado.
A questão que deverá, então,
colocar-se é a seguinte: que razões estão a fazer com que esta forma de procura
de emprego esteja a aumentar entre os licenciados? Sem um estudo aprofundado,
apenas se poderão avançar algumas hipóteses: a crise poderá ter contribuído
para enfraquecer as relações interpessoais, forma privilegiada de acesso ao
emprego altamente qualificado; a
precariedade e a sub-remuneração dos jovens licenciados desencadearão um efeito
de concorrência pelo emprego entre estes e os seus colegas mais idosos,
desfavorável para estes últimos: a experiência acumulada vale cada vez menos
num contexto em que, face ao ritmo da inovação, o que mais se valoriza é a capacidade
de adaptação rápida, de flexibilidade, de aceitação do desrespeito pelos
direitos do trabalho. Há quem refira também a influência do efeito Brexit que
estará a fazer engrossar o retorno dos jovens que protagonizaram o brain drain; afastados do país durante
uns anos, terão perdido o acesso a outros mecanismos de procura de emprego,
optando assim por se registarem nos centros.
Se até aqui analisámos a tendência
evolutiva dos fluxos de desemprego, importa agora considerar o stock, ou seja, o desemprego total bem
como a sua estrutura por níveis educacionais. Desagregando o volume de
desemprego por grandes grupos de profissões, constatamos que a percentagem de
desemprego do grupo 2 – especialistas das profissões científicas e intelectuais
… tem vindo a aumentar relativamente à proporção dos outros grupos
profissionais. O que significa que o desemprego nos restantes tipos de
qualificações – inferiores – tem vindo a diminuir mais do que
proporcionalmente. Ainda por outras palavras, a economia estará a absorver
proporcionalmente mais desempregados com níveis de escolaridade inferiores ao
ensino superior. Esta tendência é, aliás, corroborada pela constatação de que a
percentagem de licenciados no emprego total dos sectores de alta e média alta
intensidade tecnológica tem vindo a diminuir, aumentando aí mais do que
proporcionalmente a percentagem de emprego com níveis educacionais abaixo do
ensino superior[3].
Ora este último resultado, não
indicando igualmente qualquer aumento do desemprego de licenciados até ao
momento, sugere que aqueles estarão a ser objecto de sub-valorização, estando
as ocupações que lhes deveriam corresponder a ser crescentemente ocupadas por
detentores de qualificações inferiores. Job
mismatch, ou desajustamento, entre as estruturas da procura e oferta de
qualificações no mercado de trabalho português? Ressurgimento do “efeito êmbolo”
conducente à compressão da estrutura das qualificações e à reafectação em baixa
das mais elevadas?[4]
São outras tantas pistas para
reflexão.
Por agora, podemos afirmar: não, o
desemprego de licenciados, em geral, não está a aumentar.
[1] Para uma
informação mais completa, consultar o Portal do INE, em https://ine.pt/xportal/xmain?xpgid=ine_main&xpid=INE e a página electrónica do IEFP, em https://www.iefp.pt/estatisticas
[2]
Acessível em https://ec.europa.eu/eurostat/data/database.
[3] Eurostat database – Science &
Technology Indicators, cf. 2.
[4] Chagas Lopes, M. (2011). Education,
Vocational Training and R&D: Towards New Forms of Labour Market Regulation.
Journal of Research in Educational
Sciences, vol. 0(1):16-31. 4, https://ideas.repec.org/p/pra/mprapa/32412.html.
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