Não é o "admirável mundo novo", é o ameaçador mundo que vem chegando ou já está aí.
A expressão "queda dos humanos?" parece uma provocação ao título do livro de Martin Ford ("Ascensão dos Robôs") e da conferência dele no passado dia 15 de Maio na Culturgest, no quadro da segunda sessão do ciclo sobre Inteligência Artificial – Aplicações, Implicações, Especulações. Essa segunda sessão focou-se nas Implicações e na primeira parte teve os contributos de Manuel Dias (Microsoft) sobre os impactos actuais e futuros da inteligência artificial e dos Prof. Luís Moniz Pereira (do Centro NOVA LINCS do Departamento de Informática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UN) e Virgínia Dignum (Professora de Social and Ethical Artificial Intelligence no Departamento de Ciência computacional da Universidade de Umea – Suécia). Tanto um como o outro acentuaram a dimensão ética dos desafios implicados na concepção ou "design" da inteligência artificial e robótica, designadamente dos fins prosseguidos e objectivos a atingir.
Contrastando embora com a perspectiva optimista que pareceu orientar a apresentação, por Manuel Dias, dos impactos actuais e futuros da inteligência artificial, Martin Ford, ao falar da ascensão dos robôs e da inteligência artificial, caracterizou essa evolução como tendo ganho já um potencial de evolução exponencial com enorme impacto socioeconómico, nomeadamente nos Estados Unidos.
O crescente e enorme desemprego – que parece decorrer do desaparecimento de empregos (jobs) substituídos ou tornados inúteis por robots e aplicações de inteligência artificial – constituirá uma ameaça para a situação geral de Bem-estar, situação que, segundo ele, ainda é dominante em grande parte do mundo. Aliás, é significativo que o subtítulo do seu livro Rise of the Robots seja Technology and the Threat of a Jobless Future. Já antes, o Prof. Luís Moniz Pereira tinha referido previsões de que 60% das profissões serão automatizadas em 30%. Ao contrário de alguns optimistas, Martin Ford considera que a criação de empregos resultante da inteligência artificial e robótica não será suficiente para compensar a destruição causada. Daí a ameaça de um futuro sem emprego para a grande maioria e da consequente desigualdade, que Martin Ford também referiu.
Uma (ou a principal?) solução ou resposta a essa ameaça e que Martin Ford propõe é o rendimento básico, incondicional, universal ou sob outras modalidades. Seja como for, será sempre, a meu ver, uma forma de apoio social. E é discutido se é libertador de autonomia e criatividade ou, pelo contrário, um travão à função protectora da sociedade, a exercer pelo Estado.
E, assim, ponho a questão: uma sociedade na qual a maioria das pessoas está dependente do apoio social será uma sociedade de cidadãos, sujeitos de direitos e deveres e de poder de intervenção? Só uma pequena parte da sociedade poderá disfrutar do bem-estar. Como referira, Moniz Pereira, na sua apresentação, pode-se constituir uma sociedade de castas: os donos dos robôs, os gestores, os que treinam as máquinas, e todos os outros. Por isso, no título deste post está a expressão "queda dos humanos?". Os ricos têm todas as condições para se tornarem mais ricos e os outros, que pouco ganham (ou recebem), cada vez menos podem ter e realizar o que desejam ou ambicionam, cada vez menos podem realizar-se. No limite, esta questão pode ser uma questão sobre direitos humanos. Como podem todos os seres humanos ser iguais, se eles têm tão diferentes condições de vida?
Outra questão ainda: será que todas as inovações que substituem humanos serão mesmo necessárias? Quando são decididas, há critérios de decisão que têm em conta efeitos sobre relações humanas, condições laborais, qualidade de emprego, desenvolvimento de competências? Várias questões éticas têm que ser enfrentadas ao decidir o para quê, o porquê e o como de sistemas incorporando inteligência artificial e robótica. Por exemplo, como observou Moniz Pereira: podemos não querer carros totalmente autónomos. E a Prof. Virgínia Dignum lembrou que "a inteligência artificial é um artefacto". E há que ver se "o propósito que pomos na máquina é o que realmente queremos". Por isso intitulou a sua apresentação: "A Responsabilidade é nossa". Referiu que há pouco tempo, por encomenda da Comissão Europeia, um grupo de peritos (de que ela faz parte) elaborou "Recomendações para uma confiável Inteligência Artificial" (Ethics Guidelines for Trustworthy AI, publicado em 8 de Abril de 2019).
Não deveria avançar-se mais e pensar-se num tipo de aplicação do princípio de precaução (semelhante ao que se faz, por exemplo, para aplicações na agricultura, travões à sobrepesca, restrições protectoras do ambiente)?
Cláudio Teixeira
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