O poeta diz que o menino que acabara de
nascer é:
— Belo porque
tem do novo
a surpresa e a
alegria.
— Belo como a
coisa nova
na prateleira
até então vazia.
— Como
qualquer coisa nova
inaugurando o
seu dia.
— Ou como o
caderno novo
quando a gente
o principia.
— E belo
porque o novo
todo o velho
contagia.
João Cabral de
Mello Neto, Morte e Vida Severina
É esta a magia
do novo: a capacidade de alegrar e transformar o que já existe. Traz consigo a
alegria e a felicidade. Magia, também, existe, quando tudo levava a crer que
vinha aí o melhor dos mundos e, afinal, o que se verifica é que só veio a tragédia.
É magia, porque por qualquer ato de prestidigitação, o mago lançou um mau olhado
que que parece transformar o “bom” em “mau”.
Vem isto a
propósito da magia do “Novo”, o “Novo Banco”. Só que, apesar do nome, este Novo
não traz a beleza do recém-nascido como se esperaria pelo que foi anunciado, mas
antes um “caderno” em que a falta de limpeza é o traço mais saliente. Onde é
que está, então, a magia? Temos que ir devagarinho porque, a matéria parece
complexa, talvez tenha sido mal explicada e esta “não é a minha praia”.
Contudo, como qualquer outro cidadão, eu e vós temos o direito a perceber o que se passa.
Ora o que é
verdade é que a maioria as explicações que nos têm sido dadas, em vez de
trazerem esclarecimento, transportem cada vez maiores interrogações. Porventura,
em vez de estarmos à espera de explicações mais claras do que as que nos têm
sido dadas, e que quem as deveria dar não está em condições de fazer, importa começar por ser capaz de colocar as perguntas corretas.
Sobre estas
questões decidi publicar três posts: um
primeiro sobre o Fundo de Resolução, o segundo, sobre a criação do Novo Banco e a sua venda ao Lone Star e o último, sobre a alternativa da nacionalização.
O FUNDO DE RESOLUÇÃO
Vamos por
partes. Temos que começar antes de o “Novo” ter nascido. Da crise de 2008 não
é preciso falar muito, apenas sublinhar que é, em grande medida, a mãezinha
disto tudo. A grande maioria sentiu-a bem na pele. É conhecido que começou por
ser uma crise do sistema financeiro. Com ela tomou-se consciência que qualquer
problema que afetasse uma instituição financeira poderia, rapidamente,
transferir-se às outras, dado o elevado grau de interdependência do sistema. Passou
a dizer-se que, o risco ou a crise, gerados, eram sistémicos.
Embora tarde,
mas ainda assim procurando evitar que a epidemia continuasse a alastrar, o
Parlamento Europeu e o Conselho adotaram uma Diretiva que tinha como objetivo estabelecer
“regras e procedimentos relativos à recuperação e resolução” de entidades financeiras. E aqui está a justificação para
se perceber essa estranha designação, de que tanto se tem falado: a
Resolução dos Bancos. Resolver um banco significa, por isso, dar resposta às
dificuldades em que ele se encontra (sempre nos podemos perguntar se não
poderiam ter arranjado um termo mais transparente para se referirem ao que
entendiam que se deveria fazer!).
Estabelecida a
“Diretiva Europeia”, coube aos Estados Nacionais criar os mecanismos da sua
aplicação. Como os riscos de crise eram sistémicos entendeu-se, e bem, que
deveriam ser a instituições financeiras nacionais a financiar as medidas que
fossem necessárias para recuperar os bancos. Não estava mal pensado, porque
como faziam todos parte da mesma “tribo”, assim controlavam-se mutuamente para
que as suas contribuições para o Fundo fossem as menores possíveis.
O mecanismo de regulação
das intervenções junto dos bancos em crise foi sofrendo evoluções: primeiro Fundo
de Resolução, depois, Mecanismo Único de Resolução. Nos nossos medias tem-se falado, sobretudo de Fundo
de Resolução.
Ao Fundo de
Resolução compete: “prestar apoio financeiro à aplicação de "medidas de
resolução" adotadas pelo Banco de Portugal (o Regulador) e desempenhar todas as demais funções
que lhe sejam conferidas pela lei no âmbito da execução de tais medidas”. Quer
dizer, se é o Banco de Portugal que determina as medidas de resolução
(recuperação) junto dos bancos, deveria esperar-se dele a adoção de medidas
preventivas para que tal não acontecesse. O que temos ouvido dizer é que o
Banco Central se tem eximido à adoção de medidas preventivas eficazes.
Como é
compreensível as instituições não deitaram foguetes com a criação do Fundo de
Resolução. É que, embora sendo todas “irmãs”, sempre pensaram que cada uma deveria
resolver os seus problemas sem incomodar os outros. Apesar desta reação inicial
também é verdade que com rapidez se adaptaram à exigência, o que é
compreensível. De fato o Fundo tinha disposições que previam que no caso de o
seu capital ser insuficiente para financiar as intervenções, ele poderia
recorrer a empréstimos ou (e) financiamentos do Estado.
Como tinha sido
criado há pouco tempo o capital ainda não existia em volume suficiente para fazer face às intervenções que se exigiam. Por isso, o recurso a financiamentos exteriores
surgiu com celeridade. Daí que tanto se
tenha vindo a falar de financiamentos do Estado ao sistema bancário e o que daí
advém, ou não, para o bolso dos portugueses.
Dentro de dois
dias veremos o 2º episódio.
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