Como tantas vezes vemos referido,
o conhecimento constitui hoje em dia o principal factor de produção e, também,
de competitividade. Por essa razão têm vindo a desenvolver-se mecanismos cada
vez mais sofisticados de restrição ao seu acesso: o que se passa nos grandes
mercados de medicamentos, com as empresas inovadoras a guardarem em carteira
muitas das patentes que obtiveram em vez de as sujeitarem à concorrência, assim
mantendo elevadíssimas margens de lucro e votando ao sofrimento ou à morte
milhões de pacientes, é um bom exemplo destas formas de restrição de acesso ao
conhecimento.
Na investigação científica
sucede algo de semelhante. Por um lado, grande parte da mesma é financiada por
projectos internacionais, muitas vezes associados a fundos de empresas que encomendam
a investigação, que serão as principais beneficiárias dos resultados e que
tenderão a protegê-los tanto quanto possível; isto, por escassez de fundos a
nível nacional mas também pela capacidade de imposição do grande negócio
internacional. Por outro lado, e para efeitos de progressão nas carreiras
académica e de investigação, é suposto que o processo de investigação seja
inovador, no seu objecto, metodologia e/ou resultados. Daqui têm vindo a
decorrer dificuldades inúmeras vezes referidas, como por exemplo no que
respeita ao acesso a bases de dados ou à possibilidade de publicar resultados
intermédios em publicações de referência. Estes dois aspectos constituem
importantes obstáculos à investigação científica.
A política de Acesso Livre à
Ciência, afixada na maioria dos programas dos governos democráticos dos nossos
dias, visa ultrapassar obstáculos como os acima descritos. Por recurso às
tecnologias da informação e da comunicação, torna-se possível a divulgação on
line e, assim, uma partilha e debate muito mais amplos dos resultados
científicos, intermédios e finais, do que o que sucede na publicação
tradicional, em revistas da especialidade. Por razões de política editorial e,
sobretudo comercial, estas revistas restringem muitas vezes o acesso a jovens
investigadores, a temáticas consideradas menos interessantes – e, portanto,
menos vendáveis… – e ao conhecimento não mainstream.
Também a União Europeia,
através da Comissão, tem vindo a referir a sua preocupação neste domínio e a
lançar medidas importantes no domínio da Open
Science Policy[1].
Recentemente, foi criado o Open Science
Monitor, através do qual a Comissão pretende acompanhar os progressos
naquele sentido, promovendo o debate sobre os novos tipos de indicadores
bibliométricos, em concepção, sobre indicadores de acesso – tendencialmente livre
- a bases de dados indispensáveis à investigação e, ainda, sobre as novas
metodologias de divulgação dos resultados. O que sucede é que para gerir o Monitor a Comissão Europeia convidou a
Elsevier, uma das maiores editoras científicas e detentora de bases de dados
fulcrais para a investigação. Ora, enquanto editora de revistas científicas em
formato papel, a Elsevier tem sido objecto de grandes críticas: consegue
margens de lucro da ordem dos 37%, superiores às da Apple e de algumas empresas
petrolíferas, através do mecanismo de revenda dos resultados da investigação às
próprias instituições que a conduziram… Usando e abusando da referenciação
cruzada – quem publica em revistas Elsevier cita e referencia outros autores
que aí publicam também – através da qual se empolam os muito criticados
indicadores bibliométricos que até agora têm sido usados, a Elsevier consegue
dominar o mercado da publicação científica da forma … menos aberta possível. De
tal modo que a maioria dos centros e institutos de investigação suecos e
alemães têm vindo a cancelar em massa os seus contratos com a Elsevier[2].
Não será de estranhar,
então, se em vez de uma política europeia de efectivo acesso aberto à ciência
viermos a assistir, pelo contrário, ao reforço de mecanismos de controlo e
restrição à democratização do conhecimento a operar de forma sub-reptícia e sob
a capa do Open Access.
[1] Ver,
designadamente, os documentos da Comissão Europeia Open Science Policy Platform (https://ec.europa.eu/research/openscience/index.cfm?pg=open-science-policy-platform)
e European Open Science Cloud (https://ec.europa.eu/research/openscience/index.cfm?pg=open-science-policy-platform)
.
[2] A este
respeito merece ser lido o artigo de John Tennant no The Guardian, de 29 de
Junho último, de título Elsevier are
corrupting open science in Europe, em https://www.theguardian.com/science/political-science/2018/jun/29/elsevier-are-corrupting-open-science-in-europe?CMP=share_btn_fb.
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