Temos vindo a assistir ao alastrar de crescente instabilidade política em vários países europeus, com movimentos extremistas a procurarem capitalizar o descontentamento de importantes grupos da população com as políticas europeias, quer no tocante à incapacidade de acção concertada sobre a questão dos movimentos migratórios, quer no que se refere ao problema de desemprego e aspirações dos jovens.
Ao mesmo tempo, a Europa sente-se a perder protagonismo no plano internacional e com a sua prosperidade ameaçada, nomeadamente pela incapacidade de concorrer com os baixos níveis salariais prevalecentes em países terceiros e com o maior avanço tecnológico dos EUA.
Na raiz de muitos daqueles problemas encontra-se o modelo de globalização que, deliberadamente, foi seguido a partir da década de 90 do século passado, dando ao mercado a possibilidade de invadir e dominar a sociedade. Os governos legitimamente constituídos viram-se cerceados nos seus poderes de intervenção, desde que não fossem ao encontro do interesse dos principais agentes de mercado.
Se hoje é maior a tomada de consciência de que é plenamente justificado o sentimento de insatisfação com o caminho que a globalização desregulada tem seguido, algo trava o passo seguinte: o qual seria o de colocar-lhe os necessários travões, voltando a considera-la, não como um fim em si, mas como um meio para alcançar melhores níveis de vida com partilha equitativa de benefícios.
Para alguns, trata-se mesmo de uma missão impossível, pois os interesses de quem ganha com a supremacia do mercado globalizado sempre terão capacidade para paralisar ou enfraquecer a procura de consensos necessários à mudança.
Certo é que deixar correr o tempo, culpando de populistas os que não se conformam, pode levar, como parece estar já em curso, a um desmantelamento da U.E., com todas as consequências que daí podem advir para o bem-estar e a segurança das pessoas e das instituições democráticas.
Um artigo de BrankoMilan publicado ontem em Social Europe com o título Europe’s Curse of Wealth chama a atenção para «duas maldições» que, paradoxalmente, vão a par da prosperidade europeia.
A primeira tem a ver com o movimento migratório, pois sendo o U.E. tão próspera e pacífica, comparada com os vizinhos de Este e, sobretudo, com o Médio Oriente e a África, ela é um destino ambicionado por quem tem visto aumentar a distância enorme que os separa dos níveis de riqueza da Europa Ocidental. A pressão demográfica, em especial no caso da Africa subsaariana, multiplicará ainda mais a probabilidade de intenso fluxo migratório, pois a relação entre a população daquela região de África e a da U.E. subirá de mil milhões / 500 milhões, no horizonte de 30 anos, para 2,2 mil milhões / 500 milhões.
Como o Autor refere, associado às migrações aparecem pressões políticas insustentáveis em muitos países europeus, com crescimento de forças de extrema-direita como já observamos na Suécia, Holanda, Dinamarca, Alemanha.
A segunda questão é o crescimento das desigualdades de rendimento e riqueza, o que, segundo BrankoMilan é, em parte, também uma “maldição da riqueza” europeia, que cresce mais rapidamente que o PIB, levando a um acentuar das desigualdades de rendimento interpessoais pois ganham maior peso as remunerações de capital em prejuízo da fonte de rendimento salarial, onde a desigualdade é menor.
As medidas, como por exemplo uma tributação reforçada, que poderiam combater este processo esbarram na falta de vontade política na U.E. e nos E.U.A..
Assim, conclui o Autor, é de esperar a continuação da violenta convulsão política, pois os problemas são reais e requerem soluções reais.
Quem discordará destas conclusões?
Até quando persistirá a falta de atenção das políticas europeias às questões suscitadas pelo modelo de crescimento que gera e acentua desigualdades?
Quando deixará de ser centrada sobretudo nas questões securitárias a problemática das migrações?
Bem melhor seria que o combate às desigualdades não tivesse que ser estimulado pelo receio das consequências que, mais tarde ou mais cedo, sobre nós, europeus, irão caír e antes fosse primordialmente inspirado pelo desejo de viver numa sociedade de pessoas em que todos têm os mesmos direitos a uma vida digna.
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