A recente proposta em apreciação na Assembleia da República acerca do estatuto de cuidadoras/es deveria merecer um amplo debate público, a par de uma reflexão aprofundada no plano académico e político. Com efeito, estão em jogo, para além de critérios de justiça e equidade, opções de fundo acerca dos alicerces em que vem assentando o modelo societal e político de referência, nas sociedades democráticas e no mundo capitalista.
A língua inglesa ajuda a compreender o que está em causa ao distinguir labour e work, sendo que o primeiro vocábulo (labour) se refere à produção de bens e serviços por conta de outrem a que corresponde uma remuneração e o segundo (work) se reporta à actividade humana em geral da qual é expectável resultar algum bem para o próprio ou para terceiros.
Com o avanço da industrialização, ao longo dos dois últimos séculos, as sociedades capitalistas foram moldando os respectivos modelos societais e políticos com base na relação entre capital e trabalho (labour).
Foi assim com a segurança social e o estado social em geral.
O mesmo se observa nos sistemas de informação estatística, na legislação laboral, nos objectivos e metas de emprego e desemprego, na fundamentação e na avaliação do desempenho das políticas públicas, no conceito de crescimento económico e no seu tão popular indicador de crescimento do PIB como proxy de desenvolvimento, bem-estar ou qualidade de vida.
As transformações em curso, que vêm ocorrendo desde o último quartel do século passado e que apontam para uma civilização pós-industrial, não podem deixar de ter implicações, directas e indirectas, na concepção do trabalho humano como fonte de direitos económicos e sociais.
Num artigo hoje publicado, Guy Standing aborda, com alguma audácia, esta problemática e discute as possíveis linhas de demarcação entre a esquerda e a direita face à realidade económica, social e política emergente.
A título de incentivo à leitura do artigo na íntegra reproduzo os dois primeiros parágrafos do referido artigo:
It is intellectually excusable for those on the political right to want to restrict the meaning of work to labour, or income-earning activity. It is inexcusable for those on the political left to do so. Social democrats are paying a heavy political price for having done so throughout the 20th century. They fell into their own political trap, putting the notion of Full Employment on a pedestal, when that meant little more than maximising the number of people in labour, in positions of subordination to bosses.
Unless the left can escape from the folly of equating labour with work, they will continue to haemorrhage support and drift into the political margins. Why should putting as many people in ‘jobs’ be construed as defining progressive politics?
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