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02 março 2018

A importância do “ Factor AAAHH!!!” na transformação da Sociedade



Entre as questões mais sérias com que nos confrontamos desde há mais de duas décadas está a da enorme e crescente desigualdade nas condições de vida, atingindo por vezes grupos maioritários em países com níveis médios de riqueza comparativamente elevados à escala mundial.

Dispomos já de um número considerável de estudos que retratam as situações mais críticas, procuram evidenciar alguns factores explicativos e apontar caminhos possíveis de superação, em harmonia com as correntes ideológicas que são as dos seus autores.

Deixemos de lado, por indefensável tanto no plano ético como no da racionalidade económica, uma corrente que defende ser suficiente estimular o crescimento económico, pois deste todos aproveitariam igualmente.

Também preocupante é uma atitude meramente defensiva perante as principais ameaças a uma sociedade equilibrada e pacífica, como por exemplo a globalização desregulada ou o avanço acrítico de novas tecnologias, descurando a proposta de um modelo alternativo de desenvolvimento.

O que não é possível é deixar de questionar a muito injusta repartição do poder que tem permitido a perpetuação da pobreza e o acentuar das desigualdades na repartição da riqueza, mesmo quando os recursos disponíveis são mais do que suficientes.

Porquê a dificuldade de transformação social, quando nos pareceria que temos elites esclarecidas e motivadas?

Reflectir  sobre as nossas “certezas” é o desafio que Robert Reich, Professor na Universidade da Califórnia, Berkeley, nos lança, como aos seus alunos, através do convite a assistir a uma série de gravações de aulas, pois que a elas podemos aceder através da net[1].

Da primeira aula, que ocorreu a 28 de fevereiro, dedicada ao tema da  Transformação Social (How to Ignite Social Change),seguindo uma metodologia que faz apelo a permanente interpelação aos alunos, partilho estas breves notas.

Num primeiro passo, os alunos são convidados a manifestar qual a sua preferência entre dois gráficos distintos no tocante a uma hipotética e ideal distribuição de riqueza, entre 5 grupos de população americana, desde os 20% mais afluentes até aos 20% mais pobres.

No gráfico A, os 20% do topo detém mais de metade de toda a riqueza disponível no país, enquanto essa parcela vai decrescendo constantemente nos grupos seguintes.

O Gráfico B ilustra uma distribuição menos desigual, mas não igualitária.

86% dos alunos votaram em B, e 13% em A, mostrando assim uma preferência por menor grau de desigualdade.

A segunda questão foi a seguinte: o que julgam os alunos que será a distribuição das opiniões dos americanos sobre aqueles dois cenários? O resultado deu também o  maior peso ao cenário B , mas com menor expressão  (32% para A e 68% para B).

Um outro gráfico, construído com base num inquérito à opinião americana, conduzido de forma cientificamente válida, confirma a preferência por uma distribuição da riqueza próxima daquela que foi a opção maioritária dos alunos (opção B). Ou seja, estes pensavam, erradamente, que os seus concidadãos seriam favoráveis a uma ainda maior desigualdade.

Finalmente, perante um outro gráfico que espelhava o que é, de facto, a extrema desigualdade da distribuição da riqueza na sociedade americana, foi bem audível a reacção de espanto dos alunos. Sinal este que Reich designou como o “ factor AAAHH!”, exclamação que mede o sentimento de surpresa, revolta, ultraje, desilusão (expressões estas usadas pelos estudantes) perante a tomada de consciência da disparidade entre o que é tido como ideal e o que é o real observado.

Sem este afastamento (gap) entre o ideal e a realidade não existem políticas públicas, é “ como estar na lua”, afirma Reich.

Assim, o primeiro elemento para desencadear uma mudança social será esse mesmo distanciamento entre o ideal e a realidade.

Neste ponto, a dúvida que nos pode assaltar é a de sabermos se, na nossa Academia e, mais geralmente, na sociedade portuguesa, teremos chegado a um grau de rejeição crítico do que é a repartição da riqueza em Portugal, que se julga ser ainda mais desigual do que a repartição dos rendimentos.

Os outros dois elementos de mudança social que o Professor Reich enunciou e desenvolverá em lições seguintes:

- O conhecimento público generalizado sobre o que é a distância (gap) entre o  ideal e a realidade;
- o sentimento generalizado de eficácia, isto é, de que existe capacidade para reduzir aquele ”gap.”

Acreditamos que muito caminho há a percorrer para que o conhecimento público sobre as desigualdades atinja o nível suficiente: que respostas se obteriam nas universidades portuguesas com Faculdades de Economia e de outras Ciências Sociais para as perguntas colocadas aos estudantes de Berkeley? O que sabem sobre o grau de desigualdade realmente existente na nossa sociedade? E se as perguntas fossem feitas a não académicos?

E no tocante ao sentimento generalizado de que existe margem para actuar, quanto derrotismo à partida… A tendência para sobrevalorizar causas exógenas e minimizar a nossa capacidade de intervenção, leva-nos a tomar como imutáveis muitas situações, apesar de as julgarmos injustas.

Ao longo de seis semanas, Reich irá abordar o sistema político económico e social, realidades que, como nos recorda, não podem ser vistas isoladamente.

Sistema que é ordenado por um conjunto de regras feitas por nós, na sociedade e com a sociedade.

Razões de sobra para nos propormos seguir este “mini-curso” que generosamente nos é oferecido por Robert Reich.


[1] https://www.socialeurope.eu/welcome-class-focus-ignite-social-change

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