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21 outubro 2017

A primeira pergunta antes ou depois da tragédia ( I )

Com e depois dos incêndios fica a cortina de fumo, que tolda o pensamento e impede de ver claro. Para além da cortina de fumo adensa-se uma a cortina que é a que muitos atores e responsáveis, cada um à sua maneira, espalham, propositadamente ou não, para que o pensamento cidadão não se desenvolva em direção à ação responsável.
Não é a primeira vez que aqui abordo o tema da floresta e dos incêndios (ver aqui), mas a gravidade assumida pela perda de vidas humanas e de bens materiais, nos últimos meses, justifica que volte ao assunto. Parece que, hoje, já ninguém tem dúvidas de que o fogo tem a origem imediata em causas naturais ou nos incendiários (apoucados mentais, ou não). Contudo, a sua origem mais profunda está na floresta que temos e na forma como se encontra estruturada.


Reestruturar a floresta
Se assim é, então, para minimizar os efeitos daquelas origens há que começar a reestruturar a floresta. Tem-se falado muito da reforma da floresta, mas o conteúdo do reestruturar, de que hoje já não se poder prescindir, exige um compromisso durável, no tempo e no espaço, do Estado, dos proprietários e dos cidadãos, sejam ou não proprietários, que o termo “reforma” não abarca.
Não são poucos os que argumentam que a tarefa de ter uma outra floresta é de uma extrema complexidade. E têm razão, mas é indispensável ver com clareza no que consiste essa complexidade. Só pode haver solução para um problema complexo se se for capaz de o decompor e hierarquizar as suas diferentes componentes. O Relatório da Comissão Técnica Independente constitui para isso um excelente contributo.
Feita a decomposição e hierarquizadas as suas diferentes componentes, tem que se ser capaz de começar por colocar questões simples e que todos possam compreender, com vista a que na sua resolução também sejam parte. Sabemos que quem procura excluir tem como boa estratégia espalhar a não compreensão.


Um exercício simples: o dos vigias
Faça-se um exercício simples. Todos estamos estarrecidos com a perda de vidas humanas, com a extensão das áreas ardidas e com a velocidade da sua propagação do fogo. Qualquer que tenha sido a sua causa, vale a pena perguntarmo-nos, porque é que, uma vez feita a ignição, a propagação do fogo não se extingue ao fim de 300 metros.
Se existem vigias estrategicamente colocados, de modo a poderem observar todo o território, então deveriam ter visto as ignições, ter dado os alertas e deveria ter-se verificado uma intervenção atempada. Dir-se-á, tudo isso é verdade, mas era preciso que lá estivessem os vigias, mas o Estado e proprietários não têm capacidade financeira para tal, suportando a correspondente despesa. Será verdade?

As faixas de contenção
Se a ação de vigilância não cumpriu o seu papel, certamente que, uma vez o fogo começou a fazer o seu caminho, as faixas de contenção, deveriam ter parado o fogo, porque é para isso que elas lá estão. A verdade é que não estão lá e quando estão, encontram-se de tal modo distanciadas que o fogo já ganhou tal força que nada o pode deter. Para além disso era preciso que estivessem limpas!
E porque é que não estão lá as faixas de contenção? Dizer faixas de contenção, quer dizer terreno que não está arborizado. Ora, isso significa que o dono do terreno onde está a faixa não vai daí tirar qualquer rendimento. Além disso, convém ter presente que em área de minifúndio florestal uma faixa de 50 metros de largura pode, só por si, comer mais do que a área de terreno possuída por um certo proprietário. Então pergunta-se: se a existência de uma faixa de contenção é um benefício para todos os proprietários, porque é que há-de ser apenas um a suportar os custos dos benefícios que são de todos?
Então, quer dizer que o problema não tem solução? Tem, mas é preciso que sejam criados mecanismos que tenham como consequência que todos aqueles que recebem os benefícios também possam suporta os custos. Isto exige mobilização de proprietários que é difícil em área de minifúndio e não existindo, terá que ser o Estado a provocar essa mobilização, avançando os correspondentes financiamentos, fazendo-se, depois, ressarcir em tempo adequado. Será que o Estado não tem capacidade para tal? Tem.
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As vias de acesso
Se as faixas de contenção não funcionaram talvez pudessem ter dado uma boa resposta as vias de acesso e as forças de combate pudessem chegar ao fogo com rapidez e fazer-lhe frente de forma eficaz. Comentar-se-á: Isso é bonito de dizer, mas para que funcionasse era preciso que existissem as vias de acesso adequadas, o que só aconteceria se todos os proprietários disso tomassem iniciativa, por que não basta que a tomem apenas uma parte, porque nesse caso a via chega a um certo ponto e fica interrompida. E o Estado, perante esta descoordenação não pode e deve fazer nada? Pode.

Os reservatórios de água
Vamos admitir que existem as vias, mas que, quando chega ao local quem vai combater o incêndio, não encontra reservatórios de água indispensáveis para que se faça o combate? Dir-se-á, porque é que não existem? Simplesmente, porque o local onde deveriam existir pertence a um certo proprietários e vai beneficiar todos os outros e o primeiro não quer tomar os custos do que é benefício dos outros. Por isso os reservatórios não foram construídos. E o Estado não poderia ter algum papel na construção desses reservatórios? Pode e deve. Não tem dinheiro? Tem.

As árvores bombeiro
Mas há mais. O papel das faixas de contenção deve ser complementado pela existência de manchas das designadas árvores bombeiro e estas também não estavam no local em que deveriam estar. E porquê? Porque as árvores bombeiro são árvores de crescimento lento de que se não pode retirar rendimento imediato e o proprietário do terreno em que devem ser plantadas dirá: porque é que hei-de ser eu a ter um rendimento menor quando isto é para benefício de todos. Uma vez mais há razão para a intervenção do Estado.
(ler a continuação no post  abaixo)

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