Falemos de inovação escolar.
Estamos em términus de ano lectivo, com os alunos a braços com avaliações e os
professores sobrecarregados com as mesmas, para além de toda a carga burocrática
que neste período ainda mais se intensifica. O cansaço e a frustração
acumulados, a par do trabalho investido durante o ano, pedem férias e não
disponibilizam os espíritos de uns e outros, bem como dos pais e restantes
interessados, para discussões aprofundadas sobre cargas lectivas, redefinição
de critérios de avaliação ou acolhimento de alunos em tempos entre aulas.
É, pois, a altura ideal para
introduzir mudanças. De resto, os períodos de férias escolares têm vindo a
mostrar-se particularmente frutuosos neste domínio. Como “quem cala consente”,
mesmo que por insuficiência de informação ou debate, nada como legislar à porta
das férias de Verão para se garantirem amplos consensos sociais… Vem isto a
propósito de várias iniciativas tomadas pelo Ministério da Educação nas últimas
semanas, algumas delas já com chancela legislativa e, em geral, surgidas à
revelia da opinião de há muito expressa pelos vários interessados.
Comecemos pela iniciativa de
redução em 2,5 horas semanais dos tempos escolares do 1º ciclo, noticiada hoje
pelo Jornal
de Notícias. Com efeito, durante bastante tempo Portugal caracterizava-se
por deter cargas horárias globais bastante elevadas no contexto da OCDE – e especialmente
em Português e em Matemática, em detrimento das Artes e da Educação física –
situando-se em 2016 sobre a média daquela organização internacional, como pode
ler-se em OCDE (2016), Education
at a Glance.[1]
Nada nos é dito, entretanto, sobre uma eventual correcção daquele desequilíbrio
entre disciplinas e o portal do Ministério da Educação é totalmente omisso a
este respeito: que eventual (?) estratégia pedagógica estará por detrás desta
decisão? Terá a mesma sido inspirada por estudos como, por exemplo, CNE (2017),
Organização Escolar – o Tempo[2]?
Ignoramo-lo de todo.
O que já se sabe de fonte
segura é que o Conselho de Ministros aprovou há poucos dias uma alteração
legislativa ao abrigo da qual passa a ser possível o recrutamento de elementos
das Forças Armadas na reserva para assegurar o enquadramento das crianças neste
aumento de tempos não lectivos. Sabemo-lo por declarações públicas à agência
Lusa de um dos dirigentes da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos
e Escolas Públicas; e com elas partilhamos o grande receio de que, uma vez
mais, tenham prevalecido critérios de poupança orçamental sobre os inerentes à
melhoria da formação e adequação das competências dos auxiliares das escolas
relativamente ao apoio e enquadramento das crianças em tempos de recreio…
Solicitações de há muito apresentadas pelos responsáveis escolares, pais e
alunos. Para muitos de nós, já com netos em idade escolar, esta figura dos
militares nas escolas não deixa de fazer lembrar também – por razões
naturalmente muito diferentes - tempos
que quereríamos de todo ver votados a um total esquecimento.
Outra situação “inovadora”
consiste na pressão que tem estado a ser exercida por alguns responsáveis de
agrupamentos e de escolas, alegadamente por influência “vinda de cima”, junto
dos professores com vista à transição de ano de alunos com baixo rendimento
escolar e número significativo de notas negativas. A informação publicada nos
últimos dias, a par de depoimentos de professores directamente envolvidos, é elucidativa
a este respeito. Bem sabemos quais as metas que nos comprometemos a cumprir em
termos de desempenho escolar: a Agenda 2020 estabelece os objectivos de redução
do abandono escolar e de aumento da percentagem da conclusão dos ensinos básico
e secundário como sendo dos mais importantes a atingir. E se é certo que as
raparigas portuguesas já ultrapassaram, ou se situam próximo, de tais metas, a
verdade é que a população jovem masculina portuguesa se encontra ainda em
défice acentuado.
Mas que se entende por
cumprimento das metas? “Trabalhar para a estatística”? Ou seja, apor um rótulo
de prestação suficiente a quem não alcançou de facto as competências inerentes?
Qual o ganho real, para a educação e para o País, de uma tal mistificação? Compreende-se
que esta démarche produza resultados
mais imediatos do que um debate profundo e responsável sobre o sistema de
avaliação e exames, em bom tempo anunciado mas de há muito adormecido. Se não
estamos de novo perante a modalidade das passagens administrativas, de
tristíssima memória, a situação actual parece ir, de facto, nesse mesmo
sentido.
E assim vamos de inovação
escolar. Pode ser que o fim do Verão traga com ele o bom senso e o
indispensável sentido de responsabilidade pela causa pública.
[1] Para
conclusão idêntica, no contexto da União Europeia, ver também EURYDICE, Key Data on Education in Europe (http://eacea.ec.europa.eu/education/eurydice/documents/key_data_series/134EN.pdf),
com indicadores menos actualizados. Também o estudo Organização Escolar – o tempo, realizado pelo Conselho Nacional de
Educação em 2016 conclui que “o elevado número de horas de ensino não
obrigatório em Portugal [(… no 1º ciclo (CITE 1)] posiciona o País ( juntamente
com o Chile, Dinamarca e Grécia ), no grupo de países com carga horária anual
superior a 1000 horas” (op. cit p. 42).
Ainda bem que há uma voz que se levanta para chamar a atenção para os riscos de mudanças introduzidas às parcelas em sistemas complexos - o sistema educativo é um deles - mormente quando estão em causa impactos na formação das gerações futuras.
ResponderEliminarÀs justíssimas preocupações assinaladas pela Professora Margarida Chagas Lopes acrescento uma outra: a determinação do Governo de municipalização da educação a partir do próximo ano escolar. É caso para perguntar se está a ser respeitada a Constituição da República. E, ainda, se é legítimo fazê-lo à margem de uma Lei de Bases em vigor.
Mal se compreende que perante estas opções de fundo a AR e s partidos políticos que nela têm assento bem como a comunicação social dediquem ao assunto tão pouca atenção. E as Universidades por que não reagem? Não é a educação um dos pilares do desenvolvimento, da coesão social, do conhecimento, da democracia e da paz?