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11 maio 2017

A aritmética do emprego científico

Agora que tudo fazia crer num novo e importante impulso positivo para o emprego de investigadores e cientistas, eis que deparamos com o que parece ser um novo balde de água fria.

Ainda há um ou dois dias líamos, com satisfação, que o actual Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) teria acolhido bem as propostas do Partido Comunista (PC) e do Bloco de Esquerda (BE), em sede de revisão Parlamentar do Decreto-Lei 57/2016[1]. Aquelas propostas, visando uma maior estabilidade do emprego científico, incluíam, por um lado, a exigência do PC quanto à revisão salarial em alta e ao princípio da actualização de salários ao longo da vigência dos contratos de investigação; e consideravam, por outro, a necessidade de os futuros contratos de trabalho em investigação e ciência passarem a ter a duração de 6 anos, após o que poderão concorrer à carreira profissional, como queria o BE.

De que contratos estamos a falar? Do Programa Eleitoral do PS e também das intervenções do actual MCTES - de entre as quais as declarações ainda hoje proferidas no âmbito da Conferência “Sobre o Futuro da Ciência em Portugal…”[2]- tem resultado sempre clara a grande preocupação com a precariedade do emprego científico, tendo sido entretanto concebida legislação nesse sentido, actualmente em revisão no Parlamento: o Decreto-Lei já mencionado refere-se às 8 novas vias possíveis para o emprego científico, todas elas correspondentes a novos contratos de trabalho que se prevê atingirem o montante total de 5000 entre 2017 e 2019; de entre os mesmos, destaca-se um montante de 1000 novos contratos, correspondentes a um processo de transição e substituição de antigas bolsas de investigação, 900 contratos a celebrar pelas Instituições de Ensino Superior (IES), 500 contratos para novos programas de emprego e desenvolvimento de carreiras científicas, entre outras modalidades.

No programa Estímulo ao Emprego Científico, de Fevereiro do corrente ano[3], pode ler-se, por sua vez, que…
            O novo regime legal estabelece a obrigatoriedade de, no prazo de um ano, as instituições procederem à abertura de procedimentos concursais para a contratação de doutorados para o desempenho de funções realizadas por bolseiros doutorados que celebraram contratos de bolsa na sequência do concurso aberto ao abrigo do Estatuto do Bolseiro de Investigação e que desempenhem funções em instituições públicas há mais de três anos…

Apresentam-se, assim, prazos fixos, aos quais devem estar sujeitas as instituições públicas – entre as quais as IES – para por em práctica os novos princípios do emprego científico. Observe-se, entretanto, que as novas disposições não resolvem por completo a questão da precariedade do emprego científico: se bem que se abre agora a possibilidade de acesso à carreira académica, o período probatório continua longo (3 mais 6 anos), só sendo a partir de então possível o concurso. Terão sido suficientemente acauteladas possíveis situações de desigualdade face aos doutorados que ingressaram naquela carreira logo após o doutoramento?

Por outro lado, as estatísticas de bolsas de pós-doutoramento, bolsas essas que se quer vir agora substituir por contratos de trabalho nos termos já descritos, mostram uma evolução preocupante: embora se espere ainda pelo desfecho de alguns dos recursos apresentados, o certo é que a diferença entre o número de candidaturas submetidas e aprovadas cresceu drasticamente entre 2015 e 2016, tendo diminuído muito o número das últimas. Também continua a verificar-se uma grande concentração regional, com Lisboa e Vale do Tejo a absorver cerca de 47% das bolsas concedidas pela FCT em 2016[4]. Será que terão sido ensaiadas, paralelamente, medidas tendentes a combater a concentração regional do mercado de trabalho científico?

Entretanto, o Reitor da Universidade de Coimbra chama hoje a atenção, em artigo no Público[5], para o facto de não terem sido suficientemente acauteladas as obrigações e capacidades das IES que se verão, assim, em face de encargos salariais, directos e indirectos, muito superiores e de novos tipos de contratos cuja duração excede o previsto na regulamentação daquelas instituições. Basta, com efeito, que recuemos três parágrafos para nos apercebermos do peso do papel que são chamadas a desempenhar as IES, quer em termos de contratação directa quer por substituição de algumas modalidades anteriores de vinculação precária. O aumento, entre 2015 e 2016, de cerca de 8,4% na Dotação Orçamental Inicial para os Fundos do Ensino Superior[6] visará contribuir para os novos encargos? E, sendo assim, será suficiente? Ora, segundo o Reitor da UC, a ausência de reforço financeiro público para fazer face às novas condições, poderá levar a uma de duas saídas ambas criticáveis: a diminuição significativa de novos contratados (aquilo que em Economia designaríamos por “ajustamento pelas quantidades”), quem sabe se já por efeito do decréscimo efectivo das bolsas de pós-doutoramento entretanto aprovadas, vindo o desemprego a substituir-se à precariedade[7]; ou o recurso acrescido ao financiamento privado do emprego científico. Estamos em crer que o regulador central agirá de forma a que se mobilizem os fundos necessários para que nada disto venha a verificar-se.

Mas, indo já avançado o processo de discussão pública no sentido de se promover, finalmente, um emprego científico estável e de qualidade, será que não estará a verificar-se, entretanto, a indispensável concertação com as diversas instâncias envolvidas, desde logo com as IES? A ser assim, as dinâmicas interinstitucionais continuam a funcionar como importante barreira à inovação, aspecto a que por diversas vezes nos temos referido.










[2] Transmitida em directo em http://videos.sapo.pt/21KVpwPE2cFSs6HZjBG1.
[3] Ver na íntegra em http://www.portugal.gov.pt/media/26046737/20170313-mctes-emprego-cientifico.pdf , no seguimento da Resolução do Conselho de Ministros nº32/2016 Compromisso com o Conhecimento e a Ciência.
[7] Sendo que em nada se deverá defender que um constitua moeda de troca para o outro…

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