Agora
que tudo fazia crer num novo e importante impulso positivo para o emprego de
investigadores e cientistas, eis que deparamos com o que parece ser um novo
balde de água fria.
Ainda
há um ou dois dias líamos, com satisfação, que o actual Ministro da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) teria acolhido bem as propostas do Partido
Comunista (PC) e do Bloco de Esquerda (BE), em sede de revisão Parlamentar do Decreto-Lei
57/2016[1].
Aquelas propostas, visando uma maior estabilidade do emprego científico,
incluíam, por um lado, a exigência do PC quanto à revisão salarial em alta e ao
princípio da actualização de salários ao longo da vigência dos contratos de
investigação; e consideravam, por outro, a necessidade de os futuros contratos
de trabalho em investigação e ciência passarem a ter a duração de 6 anos, após
o que poderão concorrer à carreira profissional, como queria o BE.
De
que contratos estamos a falar? Do Programa Eleitoral do PS e também das
intervenções do actual MCTES - de entre as quais as declarações ainda hoje
proferidas no âmbito da Conferência “Sobre o Futuro da Ciência em Portugal…”[2]-
tem resultado sempre clara a grande preocupação com a precariedade do emprego
científico, tendo sido entretanto concebida legislação nesse sentido,
actualmente em revisão no Parlamento: o Decreto-Lei já mencionado refere-se às
8 novas vias possíveis para o emprego científico, todas elas correspondentes a
novos contratos de trabalho que se prevê atingirem o montante total de 5000
entre 2017 e 2019; de entre os mesmos, destaca-se um montante de 1000 novos
contratos, correspondentes a um processo de transição e substituição de antigas
bolsas de investigação, 900 contratos a celebrar pelas Instituições de Ensino Superior
(IES), 500 contratos para novos programas de emprego e desenvolvimento de
carreiras científicas, entre outras modalidades.
No
programa Estímulo ao Emprego Científico,
de Fevereiro do corrente ano[3],
pode ler-se, por sua vez, que…
O
novo regime legal estabelece a obrigatoriedade de, no prazo de um ano, as
instituições procederem à abertura de procedimentos concursais para a
contratação de doutorados para o desempenho de funções realizadas por bolseiros
doutorados que celebraram contratos de bolsa na sequência do concurso aberto ao
abrigo do Estatuto do Bolseiro de Investigação e que desempenhem funções em
instituições públicas há mais de três anos…
Apresentam-se,
assim, prazos fixos, aos quais devem estar sujeitas as instituições públicas –
entre as quais as IES – para por em práctica os novos princípios do emprego
científico. Observe-se, entretanto, que as novas disposições não resolvem por
completo a questão da precariedade do emprego científico: se bem que se abre
agora a possibilidade de acesso à carreira académica, o período probatório
continua longo (3 mais 6 anos), só sendo a partir de então possível o concurso.
Terão sido suficientemente acauteladas possíveis situações de desigualdade face
aos doutorados que ingressaram naquela carreira logo após o doutoramento?
Por
outro lado, as estatísticas de bolsas de pós-doutoramento, bolsas essas que se
quer vir agora substituir por contratos de trabalho nos termos já descritos,
mostram uma evolução preocupante: embora se espere ainda pelo desfecho de
alguns dos recursos apresentados, o certo é que a diferença entre o número de
candidaturas submetidas e aprovadas cresceu drasticamente entre 2015 e 2016,
tendo diminuído muito o número das últimas. Também continua a verificar-se uma
grande concentração regional, com Lisboa e Vale do Tejo a absorver cerca de 47%
das bolsas concedidas pela FCT em 2016[4].
Será que terão sido ensaiadas, paralelamente, medidas tendentes a combater a
concentração regional do mercado de trabalho científico?
Entretanto,
o Reitor da Universidade de Coimbra chama hoje a atenção, em artigo no Público[5],
para o facto de não terem sido suficientemente acauteladas as obrigações e
capacidades das IES que se verão, assim, em face de encargos salariais, directos
e indirectos, muito superiores e de novos tipos de contratos cuja duração
excede o previsto na regulamentação daquelas instituições. Basta, com efeito,
que recuemos três parágrafos para nos apercebermos do peso do papel que são
chamadas a desempenhar as IES, quer em termos de contratação directa quer por
substituição de algumas modalidades anteriores de vinculação precária. O
aumento, entre 2015 e 2016, de cerca de 8,4% na Dotação Orçamental Inicial para
os Fundos do Ensino Superior[6]
visará contribuir para os novos encargos? E, sendo assim, será suficiente? Ora,
segundo o Reitor da UC, a ausência de reforço financeiro público para fazer
face às novas condições, poderá levar a uma de duas saídas ambas criticáveis: a
diminuição significativa de novos contratados (aquilo que em Economia
designaríamos por “ajustamento pelas quantidades”), quem sabe se já por efeito
do decréscimo efectivo das bolsas de pós-doutoramento entretanto aprovadas,
vindo o desemprego a substituir-se à precariedade[7];
ou o recurso acrescido ao financiamento privado do emprego científico. Estamos
em crer que o regulador central agirá de forma a que se mobilizem os fundos
necessários para que nada disto venha a verificar-se.
Mas, indo já avançado o processo de discussão pública no sentido de se promover,
finalmente, um emprego científico estável e de qualidade, será que não estará a verificar-se, entretanto, a indispensável concertação com as diversas instâncias envolvidas,
desde logo com as IES? A ser assim, as dinâmicas interinstitucionais continuam a
funcionar como importante barreira à inovação, aspecto a que por diversas vezes
nos temos referido.
[2]
Transmitida em directo em http://videos.sapo.pt/21KVpwPE2cFSs6HZjBG1.
[3] Ver na
íntegra em http://www.portugal.gov.pt/media/26046737/20170313-mctes-emprego-cientifico.pdf
, no seguimento da Resolução do Conselho de Ministros nº32/2016 Compromisso com o Conhecimento e a Ciência.
[4]
Estatísticas da FCT (https://www.fct.pt/estatisticas/index.phtml.pt).
[6] Fontes:
INE (2014 e 2015) e Banco de Portugal (2016), em http://www.dgeec.mec.pt/np4/209/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=115&fileName=DotacoesOrcamentais2016.pdf
[7] Sendo
que em nada se deverá defender que um constitua moeda de troca para o outro…
Sem comentários:
Enviar um comentário
Os comentários estão sujeitos a moderação.