Teve lugar no passado dia 7 de Abril um
Conferência organizada pelo Instituto Europeu em parceria com o IDEFF e o
CIDEEF[1], onde foram dados a
conhecer e debatidos alguns aspectos importantes do Acordo CETA, celebrado
entre a União Europeia e o Canadá, com vista à intensificação dos fluxos
comerciais e à promoção do investimento externo.
Iniciativas como esta desde há muito se
impunham, tanto mais que foi repetidamente criticado o secretismo do processo
negocial e o risco de não serem adoptadas as melhores soluções, na esfera da
economia e no tocante à protecção do ambiente e à salvaguarda dos direitos sociais .
Economistas de renome consideraram mesmo que,
perante uma realidade caracterizada, à partida, por serem já muito reduzidas as
barreiras aduaneiras, o que estaria em causa com estes Acordos Globais
(começando com o TTIP) seria, sobretudo, um instrumento de pressão para baixar
as exigências regulatórias europeias, na medida em que eram reforçados os
poderes das empresas multinacionais com a ameaça de elevadas multas aos Estados
que lhes limitassem as oportunidades de lucro. O reforço dos direitos de
propriedade industrial seria outro dos objectivos, com impacto na perpetuação
de situações de monopólio.
A situação actual é a de ter sido aprovado,
em Fevereiro de 2017, pelo Parlamento Europeu, o Acordo CETA, que entrou
provisoriamente em vigor no que se considera ser da competência exclusiva da
U.E.. Mas, como se trata de um Acordo Misto,
ou seja, por incluir matérias da competência
dos legisladores nacionais, a
aprovação plena do CETA depende do voto favorável de todos os 44
Parlamentos, incluindo os regionais.
O título da Conferência acima referida não
podia ser mais expressivo “ Será o Acordo CETA uma oportunidade para Portugal?”,
mas julgamos que teria sido muito
adequado colocar aquela interrogação em momento bem mais recuado no tempo,
promovendo a negociação transparente e democrática do projecto de Acordo. Assim
não foi entendido, pelo que se foram avolumando dúvidas e multiplicaram-se
manifestações de contestação em vários países europeus.
O impacto macroeconómico do CETA, segundo os
especialistas que se têm pronunciado, é considerado modesto: um estudo de 2011 admite
um acréscimo do PIB na U.E. da ordem de 0,02% e não se prevê um grande estímulo
sobre o comércio. Também o impacto sobre o Investimento Directo Estrangeiro será
mínimo, visto que já existe um sistema muito aberto.
Devemos, nesta fase do processo, tomar o acordo
CETA como acabado?
Disse Paul Krugman que “os Acordos
Internacionais são, inevitavelmente, complexos, e não queremos constatar no
último minuto - antes do voto de tudo ou nada - que uma série de coisas negativas (bad stuff) foram
incorporadas no texto”.
O que viemos agora a saber é que o Acordo tem
500 páginas e mais de 1.000 de anexos, com muitas incorreções na tradução para
português. Para o comum das pessoas, a capacidade de o compreender e ter uma
opinião informada é mais do que improvável.
Mas é
fundamental que aqueles que nos representam na Assembleia da República, prestem
toda a atenção às críticas da sociedade civil, aos parceiros sociais e ao escrutínio
dos especialistas e das entidades especializadas e independentes. Não poderá acontecer
que vagas considerações e preconceitos de vária ordem façam passar em claro as
questões importantes que podem vir a colocar-se por aplicação do CETA.
Alguns exemplos:
- Se é certo que a
protecção do investimento directo estrangeiro é decisiva para o atraír, assim
como a que é dada aos nossos investimentos no estrangeiro, haveria que contar
com a possibilidade de recorrer às bem desenvolvidas jurisdições nacionais
europeias, para além da opção por um tribunal arbitral, com juízes escolhidos
pelas partes, como é prática corrente.
Ora o sistema de
resolução de conflitos (ISD) previsto no CETA, em vez do mecanismo arbitral tradicional,
estabelece um outro, que será imposto, e não dá as mesmas garantias de que os
juízes sejam os mais qualificados e equidistantes na apreciação de um caso
concreto.
Esta é uma questão
que deveria ser reapreciada, tanto mais que não há recurso das decisões ISD e
as consequências financeiras para o Estado, se tido como culpado, podem ser
multas muito elevadas.
- O “direito a
regular” consta do CETA, mas não é claro como pode ser interpretado no
concreto. Certo é que o empresário cuida do seu interesse privado, da sua
expectativa de lucro, mas ao Estado compete defender o interesse dos seus
cidadãos, o que implica contabilizar as externalidades negativas do ponto de
vista social/ambiental. A lógica da economia de mercado favorece o interesse
privado e assim dificultará soluções equilibradas, quando, por exemplo, esteja
em causa a expropriação de uma actividade regulada. Além disso, não é de
excluir uma atitude de defesa por antecipação, por parte do Estado quando
aprova ou altera uma lei ou regulamento.
- O acesso das P.M.E.
aos mercados continuará a ser difícil por requisitos de ordem burocrática e
custos específicos, caso não seja prevista maior simplificação para aquelas
empresas. Sendo a dimensão das nossas empresas muito reduzida, esta é apontada
como uma outra questão a melhorar no CETA.
- Quanto aos direitos
laborais, os padrões da O.I.T. são impostos à U.E. e ao Canadá, mas julgamos
que não estarão previstas no CETA sanções por incumprimento, ao contrário do
que sucede se uma queixa é apresentada por uma multinacional contra um Estado.
- Finalmente,
admite-se que possa não estar claro onde acaba a competência da U.E. face aos
vários capítulos do CETA. Temos presente que está pendente do Tribunal de
Justiça da U.E. um pedido de Parecer da Comissão acerca de um Acordo do mesmo
tipo, celebrado com Singapura, para determinar quais as disposições que são da
competência exclusiva ou partilhada da U.E. e as que são da competência
exclusiva do Estado. Que consequências para o CETA advirão de decisão do T.J.?
Concluindo, não parece que a opinião pública
nacional esteja consciente do que está em causa e a pressa com que se quer
fazer aprovar o CETA não joga a favor de um debate sereno. Como aceitar a
pressão contida no argumento seguinte: “quem não o aprova já, é defensor de uma
economia fechada, um isolacionista!”
Urge contrariar estes slogans com argumentos
e análises sérias, que tenham em atenção os custos e os benefícios no longo prazo
ou demasiado tarde acordaremos para as consequências de uma decisão precipitada.
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