Ultrapassado
um ano de mandato do actual Governo, parece oportuno que reflictamos, mesmo que
brevemente, sobre o andamento e o estado da educação em Portugal nos dias de
hoje.
Relembrando
as grandes opções deste executivo, de acordo com a base de referência dada pelo
programa eleitoral do PS, salientam-se como principais objectivos e
prioridades: a redução do insucesso escolar; a universalização, até ao fim do
mandato, da educação pré-escolar; a valorização do ensino secundário e a
melhoria da qualidade do ensino através, designadamente, da sua diversificação;
a criação e desenvolvimento de um programa para educação e formação da
população adulta; a melhoria do sucesso educativo no ensino superior; e, ainda,
de primeira importância, a valorização da função docente. Embora estes aspectos
se entrecruzem e se torne difícil considerá-los um a um, iremos proceder desse
modo por simplificação e restrições de espaço.
Detenhamo-nos
por hoje no primeiro daqueles objectivos prioritários.
Considerando
o combate ao insucesso escolar, “combate sem tréguas (…) para o qual se
promoverá a mobilização da sociedade portuguesa”, preconizaram-se diversas
medidas cujo andamento convém questionar:
-
a garantia da estabilidade do trabalho nas escolas e a forte aposta na formação
de professores;
-
o incentivo à flexibilidade curricular, suportada por diferentes modalidades e
soluções pedagógicas adaptadas, tanto quanto possível, aos vários contextos;
-
o desenvolvimento das actividades de enriquecimento curricular, integrando-as
pedagogicamente de molde a contribuir para o reforço da “escola a tempo
inteiro”;
-
…
Neste
domínio deverão colocar-se questões como as seguintes:
-
quais os ganhos efectivos em estabilidade e valorização do estatuto dos
professores, incluindo a sua formação?
-
o que há de concreto sobre alterações sustentáveis no modelo de recrutamento de
professores? Convém lembrar, neste âmbito, que a dimensão média das turmas no
ensino primário, público e privado, aumentou em Portugal cerca de 14 pontos
percentuais (p.p.) entre 2005 e 2014, sendo o correspondente aumento nos 2º e
3º ciclos do ensino público igual a 2 p.p. (OECD 2016, Education at a Glance, consultável aqui). É
verdade que um projecto realizado em parceria entre o Conselho Nacional de
Educação e a Fundação Francisco Manuel dos Santos, o projecto Aqueduto (aqui),
conclui que a dimensão média das turmas … não tem influência no insucesso
escolar mas apenas na indisciplina (apresentação pública na Torre do Tombo, a
27 de Outubro, p.p.)…, como se aqueles dois aspectos pudessem ser dissociados,
conclusão de que discordamos abertamente;
-
que avanços se verificam no sentido da flexibilidade curricular? E que medidas
foram, entretanto, introduzidas naquele sentido? O mesmo estudo da OCDE que
vimos referindo mostra à evidência como é negligenciável em Portugal o peso da
componente flexível do currículo, em confronto com outros países europeus ou
mesmo da OCDE;
-
que medidas têm sido tomadas para motivar uma classe docente cada vez mais
envelhecida[1]
e cujo número médio de horas de ensino, no ensino básico, é dos mais elevados
no conjunto dos países do centro e sul da Europa (cf. OCDE 2016, op. cit,, Quadro D.1.1)?
-
como compaginar os aspectos anteriores com o objectivo da “escola a tempo
inteiro”? E acima de tudo, qual a valia social deste objectivo: não terão as
nossas crianças direito a brincar, aos tempos de família e de outras formas de
socialização?
A
concluir esta reflexão, uma nota sobre questões de financiamento e acção
social escolar. Antes de mais, para “justificar” eventuais aumentos de
dotação não é legítimo confrontar orçamentos executados com orçamentos
previstos: em 2016, o Ministério da Educação gastou mais 349 milhões de euros
do que o previsto, pelo que a não haver reforço orçamental para educação para
2017, o aumento anunciado se traduzirá, de facto, numa quebra de financiamento
público de cerca de 170 milhões de euros. A ser assim, será a verba orçamentada
suficiente para compensar (pelo menos) a quebra registada nos gastos públicos
globais com estabelecimentos de ensino que, entre 2010 e 2013, e em percentagem
do PIB, se cifrou nos -9 p.p.? (OCDE 2016, op. cit)? E chegar, ainda por cima,
para financiar as importantes reformas anunciadas?
Ainda
com importância decisiva no combate ao insucesso, merece-nos reflexão o que é
proposto em termos de acção social escolar. Para além da política de
recuperação e partilha de manuais escolares, sem dúvida importante mas envolta
ainda em polémica, esperar-se-ia o anúncio de medidas relativas ao reforço de
políticas de intervenção financeira directa, como as que têm a ver com concessão
de bolsas e outros meios de apoio – cantinas, residências, etc. Tanto mais que
constituem áreas de forte desinvestimento por parte do anterior executivo. Ora
sobre estes últimos aspectos nada é dito, desde logo no programa eleitoral do
PS, e, tanto quanto se sabe, pouco ou nada tem sido feito neste domínio. Como é
então possível atenuar os efeitos, reconhecidos, da influência do estatuto
socio-económico das famílias de origem sobre o insucesso escolar? Confirmando
anteriores resultados da OCDE, o projecto Aqueduto veio concluir pela grande
resiliência das crianças e escolas portuguesas ao aumentarem o bom desempenho
mesmo quando inseridas em contextos económica e culturalmente desfavorecidos.
É
então com essa resiliência que se conta, exigindo ainda mais esforço às
famílias, alunos e docentes? Não entende o Estado dever ter um papel activo
neste importante domínio?
[1] A taxa
média anual de crescimento do número de professores do ensino secundário com
idade superior a 50 anos era em Portugal, em 2014, igual a 6%, a segunda mais
elevada no conjunto dos países da OCDE analisados (OCDE 2016, op. cit).
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