A controvérsia acerca da projectada conclusão
de Acordos internacionais para intensificar as relações comerciais dos estados-
membros da União Europeia com dois países norte americanos tem vindo a ocupar,
sobretudo nos últimos meses, um lugar destacado na comunicação social.
É compreensível que tal suceda, pois apesar
das negociações serem conduzidas pela Comissão Europeia em nome dos estados - membros,
com grande secretismo, algumas das disposições previstas, que acabam por chegar
ao conhecimento público, são suficientes para evidenciar um claro impacto potencial
na vida dos cidadãos e das empresas.
É certo que os defensores destes Acordos os
apresentam como uma oportunidade de ganhos para todos, em termos de crescimento
do PIB, ainda que as estimativas sejam divergentes e os ganhos comerciais possam
ser quase negligenciáveis, pois são já muito baixas as barreiras tarifárias em
vigor.
No entanto, o que é apontado por
especialistas nestas questões como sendo a motivação principal da Parceria
Transatlântica para o Comércio e Investimento (TTIP), fortemente contestada, é
um alinhamento com padrões regulatórios dos Estados Unidos, menos exigentes que
os europeus, pelo que os seus governos se veriam limitados nas políticas
industriais, ambientais, sociais e de regulação do mercado laboral.
A assinatura do Acordo Global sobre Economia
e Comércio (CETA) com o Canadá, país bem mais próximo dos padrões regulatórios europeus,
é vista como um passo facilitador da futura aceitação do TTIP, não obstante as
reservas expressas pelos dois principais candidatos à presidência americana e a
continuada oposição de parte significativa da opinião pública europeia.
O que constituiu surpresa foi a Resolução do
Parlamento da Valónia que recusou dar plenos poderes ao Parlamento Federal
Belga para assinar o CETA. A afirmação do poder democrático que foi esta
Resolução constituiu, para alguns, um verdadeiro escândalo.
Não é claro até que ponto as negociações
subsequentes da Valónia com a Comissão Europeia foram capazes de satisfazer as
pretensões daquela região belga, em particular quanto ao ponto mais controverso,
ou seja, o sistema de resolução de diferendos entre empresas e governos.
O certo é que o “contratempo” criado à
Comissão veio confortar aqueles que lutam por mais democracia na Europa,
correndo o risco de serem falsamente acusados de populismo.
Todos teríamos a ganhar se fosse dada atenção
à crescente inquietação que nas democracias desenvolvidas se vê alastrar,
perante a pressão para uma maior liberalização do comércio internacional,
usando como instrumento os acordos referidos.
Uma sondagem do Yougov, por exemplo, revelou
que cerca de 71% dos americanos e 58% dos alemães acreditam que os seus países
deviam seguir políticas comerciais mais restritivas para protegerem as suas
economias da concorrência estrangeira.
O receio de um surto proteccionista de
grandes dimensões afigura-se desproporcionado face à realidade, mas esse é um
dos argumentos usados para forçar a aceleração de acordos internacionais de
livre comércio, harmonizando pelos mínimos a regulação nacional.
Segundo o economista Dani Rodrik[1] é necessário “um melhor
equilíbrio entre a autonomia nacional e a globalização”. Como ele afirma, a
atitude anti comércio é uma mensagem para os políticos de que devem colocar os
requisitos da democracia liberal à frente dos do investimento e comércio
internacional. “A ortodoxia do comércio livre não é a única alternativa ao
populismo, e aos partidos do centro direita e centro esquerda não se deve pedir
que defendam a todo o custo híper-globalização”.
Estabelecer o equilíbrio entre a desejável manutenção
da abertura da economia e da sociedade implica, entre outros requisitos, não pactuar
com a globalização desregulada que contribui para o aumento das desigualdades.
Até que ponto um “proteccionismo responsável”
pode ser posto em prática, dadas as desiguais forças em presença nas relações
económicas internacionais, ao mesmo tempo que se implantam movimentos radicais
no seio das sociedades democráticas?
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