17 maio 2016

Conhecimento e Cultura Científica ou o legado de Mariano Gago

Quem hoje teve oportunidade de participar na Conferência Caminhos do Conhecimento, organizada pela Agência Ciência Viva e pelo Ministério para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), ficou decerto a sentir-se mais próximo dos meandros da investigação científica e das políticas para o desenvolvimento do conhecimento em Portugal.

Era esse, de resto, um dos objectivos do encontro, claramente expresso no discurso de abertura proferido pelo actual Ministro. Comemorando-se o aniversário do nascimento de José Mariano Gago, a organização tomou o facto como inspirador da homenagem que entendeu prestar àquele nome de relevo na ciência portuguesa e internacional. Cientista e ex-ministro para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, responsável por um progresso sem precedentes na dinâmica do conhecimento em Portugal, Mariano Gago escrevia nos anos 90 que

a luta da cultura científica só poderia ser especificada e percebida através do combate ao isolamento social da ciência, juntamente com a denúncia (…) das barreiras estruturais entre a ciência e a população em geral,
palavras que o Ministro Manuel Heitor entretanto recordou.

Pois o que aconteceu efectivamente esta tarde, no belíssimo teatro Thalia recuperado pelo MCTES, foi um acto genuíno de cultura científica. Os intervenientes e comentadores convidados, investigadores de renome internacional, partilharam com a assistência resultados da investigação e do conhecimento a que entretanto chegaram de forma perfeitamente clara, acessível e descomprometida. 

Salientamos a intervenção de Svein Sjoberg, da Universidade de Oslo, que desenvolveu uma crítica científicamente fundamentada ao Programa PISA da OCDE, ferramenta fundamental do pensamento dominante: servindo de base a medidas de política educativa e do conhecimento em diversos países, o PISA estabelece uma métrica “universal” ao arrepio das condições, valores e cultura dos contextos concretos; procura medir o que não é de todo mensurável nem comparável como, por exemplo, o desempenho de estudantes com níveis de motivação, recursos e enquadramento familiar totalmente distintos; retira as suas conclusões com base em testes escritos individuais de duas horas e meia… Também Martin Bauer, da London School of Economics, salientou a importância de aspectos habitualmente não considerados pelas políticas científicas como as motivações das populações para a ciência e a importância que atribuem ao desenvolvimento do conhecimento na comunidade.

Para além destas intervenções, várias outras comunicações se caracterizaram pela vivacidade e abertura de espírito, mostrando como se faz o caminho para a apreensão social da ciência. Alexandre Qintanilha referiu-se à liberdade de espírito como condição do conhecimento, defendendo que ela deveria ser estimulada a partir da mais tenra idade. Partindo da sua experiência concreta de cientista empenhado na divulgação e acessibilidade do conhecimento científico, Carlos Fiolhais sublinhava igualmente ser da maior importância o contacto com a ciência e com o método experimental logo na educação pré primária. De forma extremamente cativante, Rui Vieira Nery deu a conhecer a história do Teatro Thalia, indissolúvel da evolução da cultura musical no Portugal de oitocentos. O Ministro da Educação, também convidado, mostrou-se grato à memória de Mariano Gago a quem disse ter ficado a dever fazer parte da primeira geração de cientistas por ele impulsionadas.

A concluir, entendemos ser de sublinhar duas ideias chave que o Ministro para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior tinha incluido no seu discurso de abertura:

- a necessidade de reduzir a burocratização crescente dos ambientes escolares, académicos e científicos em Portugal e no Mundo (…); o combate ao uso irresponsável de métricas para fins de avaliação deve assumir um papel central na defesa do papel da cultura científica no desenvolvimento das nossas instituições de ensino e investigação;
 - o acordo recente de Paris para o Desenvolvimento Sustentável (…) e os objectivos das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável reconhecem explicitamente o papel da educação, da ciência, da tecnologia e da inovação no cumprimento das aspirações universais de não deixar ninguém para trás (…).


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