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04 março 2016

O Estreitamento da Mentalidade na Academia



Chris Patten, chanceler da Universidade de Oxford, publicou em Project Syndicate um artigo com o título “The Closing of the Academic Mind”, em que sublinha alguns sinais do que pode ser um processo em curso, resultando na perda dos valores próprios de uma qualquer universidade.

Da leitura deste artigo, passo a assinalar alguns tópicos que julgo poderem servir de incitamento a uma reflexão acerca do caminho tomado pelas nossas universidades do mundo ocidental.

Escreve Patten que, cabendo à Universidade promover o confronto de ideias, testar os resultados da investigação no meio académico e disponibilizar novos conhecimentos aos estudantes, é fundamental que lhe possa ser garantida a liberdade de expressão. Aí se cultivará o sentido de humanidade comum, a tolerância e a compreensão mútua que caracterizam uma sociedade livre.

Nem sempre os governos entendem estes valores e tendem a exercer o seu controlo, como exemplifica o Autor com o caso de um governo autoritário sobre as universidades chinesas e de Hong Kong, onde é imposto, em exclusivo, o ensino de uma única doutrina.

Mas o que, no seu entender, é surpreendente e irónico é que, nos tempos actuais, os ataques mais preocupantes àqueles valores de autonomia e liberdade estejam a surgir do interior das próprias universidades americanas e do Reino Unido, através de um fechamento em “espaços seguros”, em que o debate é apenas permitido na medida em que não ofenda ninguém.

Não é apresentada pelo autor uma explicação para o estreitamento de mentalidades que denuncia em relação a estas universidades, mas parece-nos difícil deixar de dar relevo à influência primordial que, pelo menos sobre algumas delas, pode ser atribuída à difusão da ideologia neo-liberal nas últimas décadas.

Uma questão que inevitavelmente se coloca é a de saber até que ponto é excepcional o que é assinalado por Patten em relação às universidades daqueles dois países ocidentais, pois certamente, ao longo do tempo, elas terão exercido a sua influência sobre o pensamento e a forma de ensino num certo número de congéneres europeias.

Qual a extensão e a profundidade de um fenómeno de fechamento de mentalidades nas universidades portuguesas é a dúvida que subsiste. Só uma análise aprofundada por quem tem conhecimento profundo do meio Académico poderá ajudar a esclarecer esta dúvida.

Estará a maioria das universidades portuguesas empenhada em cultivar os valores da liberdade e plenamente dedicada ao desígnio de formar cidadãos aptos a compreender e a enfrentar os enormes desafios que o futuro nos anuncia, desde os infindáveis conflitos bélicos, à crescente injustiça entre os povos, a corrupção dos poderes, a 4ª revolução industrial, a sustentabilidade ecológica?

3 comentários:

  1. Excelente post!
    Muito relevante.
    E não é só o governo que pode nos levar a um lugar indesejável.

    Como o filme "The Inside Job" demonstrou, as universidades, sob a influência da Wall Street, tiveram um papél na deterioração do modelo financeiro.
    O livro recente, "Dark Money," mostra o poder dos grupos privados nos EUA em influenciar o pensamento e a política do governo, mesmo através da negação das provas cientifícas, por exemplo, as alterações climáticas.

    Esperemos que o papél fundamental das universidades, que é educar e formar o pensamento para apréciar a civilização, avançar o conhecimento, e construir um futuro melhor, não seja sacrificado à modelação da sociedade conforme a política e o poder do dia.

    Se continuamos no caminho da deterioraçao do pensamento, teremos um dia um mundo mesmo escuro e triste.

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  2. A questão abordada neste post e no comentário de MJMA merece a maior atenção e a correspondente acção subsequente, preconizada no texto, de que se venha a proceder a uma avaliação das condições em que se processa o ensino e a investigação nas nossas universidades, públicas e privadas, sem esquecer os condicionalismos do acesso e progressão na carreira docente e de investigação.
    Em particular, chamo a atenção para a questão do incentivo ao financiamento contratualizado com empresas com base em contrapartidas.Até que ponto será limitativo da desejada liberdade de conhecer e ensinar?
    A liberdade de ensino e investigação assume particular relevância no caso da economia, gestão e outras ciências sociais.
    A este propósito cabe recordar uma iniciativa de há meia dúzia de anos que reuniu mais de meia centena de professores e investigadores sob a sigla "Economia com futuro". Terá ficado pelo caminho? A meu ver, importaria reanimá-la.

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  3. A propósito deste tema, chamo a atenção para um artigo publicado há quase um ano por dois investigadores holandeses que descreve duma forma exaustiva os sintomas da ocupação das universidades pela ideologia neoliberal e pelo ímpeto burocratizante além de propor várias vias de resistência:
    Halffman & Radder (NL), Minerva, April 2015
    http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs11024-015-9270-9
    http://publicuniversity.org.uk/2015/01/05/from-an-occupied-to-a-public-university/

    Lanço o desafio aos leitores deste blog e aos académicos nacionais para aprofundar esta discussão e disponibilizo-me para colaborar numa eventual iniciativa.
    Álvaro Fonseca
    http://transicao_ou_disrupcao.blogs.sapo.pt/

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