Acabámos de
assistir a tempos de intenso e crispado debate político e, se nada mudar, só
poderemos esperar que continue e, porventura, se agrave. O debate tem-se
caracterizado, a maioria das vezes, pela falta de rigor, pela vacuidade e pela
falta de respeito mútuo, entre os diferentes intervenientes, o que só pode contribuir
para a descredibilização da democracia.
Há que
inverter esta situação, porque o debate sereno e refletido no Parlamento, ou
fora dele, é um elemento constitutivo das sociedades modernas, progressivas e
geradoras de bem-estar. Não credibilizar o debate político, pela falta de rigor
no que se afirma e pela ausência de respeito pela pessoa do outro, só nos pode
conduzir a situações e regimes, que usam como sustento a limitação das
liberdades e a violação dos direitos fundamentais da pessoa humana.
No título faço
apelo à matemática, não porque para aprofundar a democracia necessitemos de
possuir, todos, conhecimentos aprofundados de matemática, mas porque o fazer
política, tendo em conta algumas das regras básicas da matemática, teria como
consequência uma sua maior dignificação.
São múltiplas
as definições de matemática e não é por isso que ela perde a sua substância. Uma
das mais generalizadamente aceites é a de que se trata da ciência do raciocínio
lógico e abstrato. Ora, precisamente, uma das características mais presentes no
debate político, hoje, em Portugal, mas não só, é a ausência de raciocínio
lógico, isto é, a ausência de pensamento estruturado de acordo com as regras da
lógica. O raciocínio pode ser dedutivo ou indutivo mas, sempre, uma afirmação
terá que ser suportada por uma afirmação anterior, sem o que estaremos na
presença de um raciocínio incoerente.
Porquê falar
de identidades? Uma identidade enuncia um determinado pressuposto e proclama um
certo resultado. Por exemplo:
- 2 + 3
= 5 ou,
- P = C
+ G + I + E – M
Complicado? Nem por isso; basta
sabermos o que significa cada uma das letras; C é o consumo privado; G é o
consumo público; I é o investimento; E são as exportações e M as importações e
P é a produção. Quer dizer, a produção de um determinado país esgota-se nos
gastos ou destinos que lhe atribui.
- P = RT + EBE
Isto é, a produção é igual à soma das
remunerações do trabalho (RT) mais o Excedente Bruto de Exploração (EBE), o que
resta da produção depois de pagas as remunerações do trabalho.
Nos dois
casos anteriores temos a produção avaliada de duas maneiras, a primeira através
da utilização que dela é feita; a segunda, por via dos rendimentos que gera. Ou
seja, as despesas geradas na economia num determinado período de tempo têm como
suporte os rendimentos gerados por essa economia nesse período. Isto é uma
identidade e não há maneira de lhe escapar.
Este
raciocínio pode, também, ser levado para o âmbito da atividade do Estado, por
ex.:
- S = R - D, onde R são as receitas, D as despesas e
S o saldo orçamental; S será positivo, se as receitas forem superiores às
despesas e será negativo, no caso contrário; também aqui estamos na presença de
uma identidade.
Mas, estar na
presença de uma identidade permite retirar alguma ilação acerca do modo como se
chega ao valor de cada uma das suas componentes? Absolutamente nenhuma. Uma
identidade é válida num determinado momento do tempo, mas pouco nos diz sobre
as consequências da variação de uma das componentes sobre os valores das
restantes componentes num outro momento futuro. E isto é assim, porque as
diferentes componentes não são independentes umas das outras, ou seja, a
variação de uma, hoje, pode ter consequências sobre o valor de outra num
momento futuro.
Ora é
precisamente isso o que se passa com o saldo orçamental. Aumentar hoje a
despesa pública pode ter como efeito aumentar a receita no futuro e até
diminuir o peso relativo da despesa no futuro (infelizmente não tenho aqui
espaço para explicar como). Não podemos é, quando nos convém, pegar no “tempo” e
colocá-lo no caixote do lixo. Não é mais nem menos senão isto o que têm andado
a pregar alto e bom som, sem que ninguém os desdiga, aqueles que ganharam as
últimas eleições. A isto chama-se “caminhar a olhar para os pés” e quem assim o
faz pode ir caminhar para o deserto e sem que, porventura, nada lhe aconteça, mas
se quiser caminhar na “cidade dos homens” rapidamente vai bater com a cabeça
num candeeiro ou numa placa de rua.
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