24 junho 2015

Grécia: “It’s not economics...” - uma agenda (mal) escondida?

E se, afinal, os verdadeiros e mais profundos desígnios da troïka face à Grécia não fossem, neste momento, essencialmente de natureza económica e financeira? Os contornos desta fase de enorme tensão internacional levam-nos a reflectir sobre outros determinantes, para além dos económicos, que poderão estar a moldar, eventualmente, a agenda secreta das instituições credoras.

É certo que o que vem ao de cima é o insucesso gritante das políticas contraccionistas que estão a ser impostas à Grécia. Aliás, como referia Stiglitz a 5 de Junho no seu blogue[1], na ausência de uma regulação financeira internacional só pode obter-se como resultado a total ineficácia das medidas de austeridade. Com uma queda de cerca de 25% do PIB desde 2009, o Estado Social totalmente destruído e os reformados perante o iminente 5º corte nas suas pensões, agora por via fiscal, a Grécia mais não tem vindo a fazer do que canalizar os empréstimos para pagar aos chamados credores institucionais. De reformas estruturais, nada parece vislumbrar-se. No seu afã hegemónico, a Alemanha também se terá, entretanto, esquecido dos efeitos nefastos da rigidez fiscal que continua a tentar impor, e de que ela própria foi vítima no século passado.

Mas apesar de Tsipras se queixar hoje de um tratamento discriminatório, por parte da troïka, quando em comparação com a Irlanda e Portugal, o certo é que nunca o Banco Central Europeu interveio com um apoio tão sustentado e quase diário como o faz agora relativamente à Grécia. Para evitar a todo o transe que a Grécia saia do Euro? É a versão oficial. Para ir alimentando a situação enquanto a União Europeia se entende e tenta organizar-se, se o conseguir? É uma possibilidade.

E se o estiver a fazer para ganhar tempo até que uma solução “de fora”, e sem comprometer a troïka, acabe por facilitar a tarefa?

Em boa verdade, as últimas medidas propostas pelo governo grego, em recuo significativo face às promessas feitas à sua base eleitoral, não parecem agradar a ninguém: às componentes mais à esquerda do Syriza, antes de mais; mas também desagradam aos Gregos Independentes, que não prescindem das medidas de solução para a dívida e, por maioria de razão, à Nova Democracia, defensora natural dos grandes privilegiados, na perspectiva de virem a ser beliscados nos seus interesses. As grandes fortunas ameaçam fugir, assim como o grande capital, o Parlamento “irrita-se”. Tsipras deixa escapar que, na ausência de suporte parlamentar, o governo não prosseguirá.

Entretanto, o início do Outono traz-nos as eleições legislativas em Portugal e em Espanha, depois de em 2013 a esquerda ter conseguido a maioria, embora não absoluta, em Itália. Se o governo grego cair “por si”, sem que a troïka pareça assumir o ónus, fica feito o aviso às possíveis alternativas de esquerda na Europa do Sul. Mesmo que estas – ou por isso mesmo – se abstenham cada vez mais de extremar as suas posições.  

E tudo isto perante o aplauso, e a infidelidade, de governos de direita, como o nosso, para quem a solidariedade é palavra vã.

Será que é esta a verdadeira natureza da questão? Nem o oráculo de Delfos saberá responder…




[1] Stiglitz, J. (2015). Sovereign debt needs international supervision. http://www.goodreads.com/author/show/6426.Joseph_E_Stiglitz/blog

3 comentários:

  1. Gosto sempre de ler o que a Margarida escreve. Parabéns!
    Para tornar a abordagem do tema "Grécia" mais complexa, permita que lembre dois aspectos que serão decisivos para o futuro da Europa, com ou sem euro, com ou sem União Europeia:
    1 - As implicações da crescente alteração de forças na bacia do Mar Mediterrâneo. Há um crescente aumento de violência provocada por forças extremistas radicais fortemente armadas que expulsam povos inteiros das regiões do médio oriente e norte de África em direcção à Europa. Alguém lhe vende as armas e está interessado em transformar o Mediterrâneo num inferno que irá avançando a partir do sul e da região da Turquia/Grécia...
    2 - As implicações do avanço, sem contemplações, da Rússia para Sul e Ocidente: quer sobre o o Mar Negro, através da Ucrânia e Crimeia (já anexada); quer através da pressão sobre os países de fronteira europeia, que outrora gravitaram na sua órbita política e militar; quer ainda através dos seus acordos bilaterais com a China em matéria de energia e de tecnologia militar (lembro as recentes manobras conjuntas no Mediterrâneo)...
    Quem olhar atentamente um mapa poderá verificar que o cerco aos países da União Europeia se aperta paulatinamente e é claro, para mim, que nesse contexto a Grécia é, infelizmente, um pião jeitoso.
    Neste momento da História já não faz sentido aplicar as justificações típicas da Guerra Fria. Face à globalização financeira, tecnológica, etc. Estamos em guerra!
    Só o Papa Francisco é que deu por ela, mas isto que está a acontecer é uma guerra.
    Nós não assumimos tal facto porque o medo não deixa, a alienação é crescente, a insustentável crueldade da barbárie é vista "na televisão". Andamos em círculos, à procura de culpados...
    Penso que somos todos vítimas e ninguém está inocente.

    No final deste combate de gigantes, talvez não haja mais União Europeia porque o projecto de Paz e o modelo de sociedade que lhe subjaz não poderá evoluir nem sobreviverá ao modelo ganancioso, depredador e violento que está em marcha em todo o mundo.
    Espero que na 25ª hora haja um vislumbre que permita uma Era de Paz!

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  2. Muito obrigada pelo seu tão completo comentário, Maria do Céu. Tem toda a razão no que acrescenta e, efectivamente, a situação ultrapassa de longe o querer meter na ordem os "revolucionários da Europa do Sul", escondendo o fortíssimo confronto ideológico subjacente. Para complicar, ainda, um pouco mais: os recursos físicos gregos (hidrocarbonetos do Mediterrâneo oriental) e a posição geográfica estratégica de que goza a Grécia (lembrar que "hospeda" o gasoduto de gás natural da Rússia para o Mediterrâneo) não deixarão de jogar também papel importante neste amplo confronto de interesses.
    Reflectindo sobre "as chagas causadas pelo nosso comportamento irresponsável", na Encíclica Laudato Si, o Papa Francisco conclui que a sua razão comum reside "na ideia de que não existem verdades indiscutíveis e que [...] a liberdade humana não tem limites", conclusão que é válida não só para o (des)equilíbrio ambiental mas também neste complexo domínio das relações de poder internacionais... Não lhe parece?

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  3. Sim, concordo consigo.
    O mundo atingiu uma grande complexidade e estão em marcha vários reequilíbrios geopolíticos simultâneos.
    O Papa, na sua nova encíclica Laudato si’, apela à cidadania ecológica planetária.
    Obrigada por lembrar! :)

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