Cá estamos, uma vez mais, perante
os rankings das escolas portuguesas.
Muito já tem sido dito a respeito
deste pretenso indicador de qualidade comparada, as críticas mais ou menos bem
fundadas também não têm faltado e são sobejamente conhecidas. Porquê voltar,
então, a este assunto?
Por várias razões. Em primeiro
lugar, para salientar que alguns dos principais motivos de crítica já foram
entretanto corrigidos[1].
Os rankings que agora se nos
apresentam já levam em consideração o contexto económico e social no processo
de ordenação, embora o façam ainda de forma bastante mitigada, em nossa opinião.
Por outro lado, também se aborda agora abertamente o problema da instabilidade
dos docentes no ensino público, reconhecendo-se aqui uma importante razão de
insucesso que aquela hierarquização não leva em conta. Critica-se ainda o facto
de as classificações se fazerem ao nível dos agrupamentos e não das escolas
consideradas individualmente, sabendo nós como é grande a heterogeneidade neste
domínio.
A quase exclusiva dependência dos
rankings face aos resultados obtidos
nos exames nacionais constitui outro aspecto que, embora objecto de
controvérsia, poderia ser ainda mais aprofundado. É certo que a “concorrência
pelas notas”, nesta fase de competição exacerbada, tem levado a práticas de
distorção significativa das avaliações e à “inflação” dos resultados. Assim, as
notas obtidas nos exames nacionais, iguais para todos/as, constituiriam uma
prova isenta… se os/as avaliados/as e os processos de aprendizagem com que se
deparam fossem todos iguais. E não são. Mas deve reflectir-se ainda sobre um
outro ponto, o da soberania dos exames finais, tidos como a forma de avaliação
por excelência, o que leva a negligenciar-se o processo dinâmico de aquisição
de saberes e comportamentos ao longo do ano lectivo, a que a chamada avaliação
contínua deveria ser capaz, ela sim, de avaliar.
Como se referiu atrás, a forma de
consideração do contexto económico e social dos/as alunos/as que integram os rankings merece, em nossa opinião, uma
reflexão muito mais criteriosa. Os dois indicadores utilizados para a
delimitação do contexto são o nível de escolaridade dos pais e das mães dos/as
alunos/as e a classificação destes/as nos três níveis da Acção Social Escolar. Não
discutindo aqui a importância de outros parâmetros por enquanto ausentes, como
os que caracterizassem o nível e estrutura dos rendimentos familiares, da maior
relevância numa crise desta dimensão, detenhamo-nos no parâmetro escolaridade
dos pais.
Várias análises, sobretudo com
origem na OCDE[2], têm
vindo a mostrar que Portugal, como a Turquia, constituem quase sempre os dois
países com maior inércia educacional entre gerações. Ou seja, aqueles onde é
maior a probabilidade de os/as universitários/as terem tido pais e/ou mães
universitários/as e, simetricamente, de a população jovem com menor
escolaridade ter provindo também de famílias muito pouco escolarizadas. Este
elevado grau de inércia significa que, em Portugal, a escola tem contribuído muito
modestamente para a mobilidade social entre gerações, o que o seguinte excerto
traduz:
… in Portugal, children
of parents with low levels of education are unlikely to attain a higher level
of education than their parents. Some 60% of young people from families with
low levels of education have not completed upper secondary education, and fewer
than 20% of those young people have enrolled in tertiary education (…).
However, both Portugal and Turkey record the greatest likelihood that young
adults from highly educated families will continue into higher education. (in: OECD Indicators 2012, Education at a Glance – Country Notes:
Portugal, p. 5, http://www.oecd.org/portugal/CN%20-%20Portugal.pdf
)
Este excerto e a realidade que
ele caracteriza referem-se a 2009. Por razões que desconhecemos, embora aquela
publicação anual continue a analisar a maioria dos países relativamente a este
aspecto, a informação sobre Portugal foi descontinuada desde então.
Ora, com o agravamento da
situação financeira de grande parte das famílias portuguesas, muitos/as jovens
que anteriormente frequentavam o ensino privado têm vindo a abandoná-lo, em número muito significativo, a favor da
escola pública. Este movimento contribui para o reforço da dualização no
sistema de ensino, com as crianças e jovens com maiores dificuldades económicas
e sociais - frequentemente, embora não necessariamente, filhos e filhas de
famílias menos escolarizadas – a reforçarem a textura da escola pública, ela
também cada vez mais esmagada pelos cortes orçamentais. Enquanto nas escolas e
colégios privados se concentra uma minoria, cada vez mais reduzida, de
estudantes com possibilidade de aceder a prolongamento de estudos, formações
complementares, professores estáveis e, em diversos domínios, até apoio
financeiro do Estado…
Assim, os rankings comparam cada vez mais o que não é comparável. Nestas
condições, não é legítimo afirmar-se a superioridade da escola privada em relação
à pública, como (deliberadamente) se quer fazer impor.
Mas consideremos de novo a
questão da inércia escolar intergerações: será que a “política” educativa mais
adequada ao desenvolvimento da mobilidade social entre gerações - factor
crítico numa sociedade, como a nossa, de nível médio de escolarização tão baixo
– passa pela atribuição de prémios, créditos e financiamento público ao
segmento à partida já mais favorecido?
Margarida Chagas Lopes
29 de Novembro de 2014
[1] Para um
maior conhecimento das metodologias adoptadas na ultrapassagem das limitações
anteriores sugiro a leitura dos artigos de J. Azevedo, na edição do Público de
29/11/2014, suplemento Ranking das Escolas.
[2] Ver
algumas edições anuais de Education at a
Glance, da OCDE, consultáveis em http://www.oecd.org/eag
Sem comentários:
Enviar um comentário
Os comentários estão sujeitos a moderação.