Venho
falar-vos do concelho de S. Bartolomeu.
Desde os
tempos da conquista aos mouros e do povoamento incentivado pelos nossos
primeiros reis, através de políticas que promoviam o amanho das terras, a
florestação dos montes, a limpeza das linhas de água, o ensino, a cultura, a
construção de linhas de defesa (castelos) e outras iniciativas, que o concelho
de S. Bartolomeu, lá bastante no interior do país, orgulhoso do seu passado,
sempre soube gerar prosperidade e bem-estar para os que nele viviam.
A partir dos
fins dos anos 50, princípios dos anos 60, do séc. passado, começou a acontecer
algo que já antes se tinha verificado mas que, agora, surgia com muito mais
intensidade: a emigração dos mais jovens e dos homens que estavam na força da
vida. Havia quem dissesse que isso era uma consequência da ditadura e da sua
incapacidade para fomentar, em S. Bartolomeu, iniciativas geradoras de emprego.
Já nos anos
80, graças às remessas dos emigrantes e aos elevados ritmos de crescimento
verificados no exterior, de que, também, beneficiava, a vida em S. Bartolomeu
voltou a animar-se. Construíram-se novas escolas primárias, surgiu o primeiro
liceu (depois escola secundária), o tribunal passou a dispor de um edifício
próprio (Palácio da Justiça), ampliaram-se as instalações da repartição de
finanças, apareceu um novo hospital, que veio substituir o velhinho hospital da
Misericórdia, foi aberta a primeira Biblioteca, quase todas as casas passaram a
dispor de acesso ao saneamento, intensificou-se o processo de urbanização,
permitindo o acesso da grande maioria a uma casa própria, foi criada a primeira
associação de bombeiros voluntários e muito mais . . . Até a festa a S. Bartolomeu, a 24 de
Agosto, que há já muitos anos se não realizava, voltou a adquirir o brilho de
antigamente! A população andava feliz.
E os anos
foram passando até que, de forma quase impercetível, se começou a falar da ideologia
da eficiência. Prometia a salvação eterna a quem lhe declarasse obediência (era
uma outra forma de prosseguir o califado). Estávamos em meados da 1ª década do
séc. XXI. E que dizia a ideologia? Dizia que, em todas as iniciativas, quer
privadas, quer públicas, era imperioso que os resultados que estavam programados fossem obtidos com o uso do menor número de recursos e ao menor preço (custo).
Era indispensável ser eficiente, porque a "dívida" assim o impunha.
Não há
dúvida, muito aliciante. Quem se poderia atravessar no caminho do argumento?
Só que nisto,
como em muitas outras coisas da vida, verificou-se que havia um coelho na
cartola. Para desarmar o homem da cartola, a pergunta que se impõe fazer é a de
saber quais são os resultados de que se está a falar: os de curto, os de
médio ou os de longo prazo? É necessário tê-los todos em conta, porque, por
ex., aquilo que produz muito bons resultados a curto prazo pode ser desastroso
a longo prazo. Veja-se o caso de um hospital que passou a poder funcionar com
um muito menor número de pessoal auxiliar. Até parece que os que ficaram se
tornaram mais competentes, mas ao fim de algum tempo começou-se a constatar que
havia mais gente a morrer por razões que se atribuíam à falta da prestação de
serviços atempados e de qualidade.
Inversamente, nem tudo o que dá resultados pouco
significativos, no imediato, tem como consequência produzir maus resultados a
longo prazo. Eu, conheci uma Faculdade que foi criada e funcionou, durante
cinco ou seis anos, com professores, mas sem alunos. Parece o cúmulo do
desperdício mas não era. Quando foi criada Faculdade os futuros docentes foram
recrutados e enviados para o estrangeiro, para se qualificarem, através da
realização dos seus doutoramentos. Foi só quando regressaram com os
doutoramentos na mão que a Faculdade foi aberta a alunos. A partir daí foi
considerada, na sua área de ensino, como das melhores escolas do país .
Consequências
da generalização da ideologia?
Começaram por
encerrar escolas do primeiro ciclo, porque estavam a funcionar com meia dúzia
de alunos, o que era ineficiente, diziam. Era caro e os poucos alunos não
aprendiam práticas de sociabilidade. A culpa era dos pais que tinham feito
baixar a taxa de natalidade. As aldeias ficaram mais tristes, cada vez mais
velhas e sem ânimo.
Depois, veio,
o fecho de hospitais e centros de saúde, de tribunais, de repartições de
finanças, a desqualificação dos serviços prestados por muitas outras
instituições: serviços à agricultura e florestas, bombeiros, urbanização, etc.,
etc. Tudo isto em nome da batalha de eficiência, cujos generais, de eficiência
pouco mais sabiam que o nome.
Mais
recentemente houve um ministro que achou que poderia, ele próprio, ser mais
eficiente, se transferisse a saga da eficiência do seu ministério para os
municípios (ver, também, aqui). Para o efeito, descentralizaria, para estes,
algumas componentes da gestão dos docentes dos estabelecimentos de ensino
básico e secundário. Para adocicar a proposta foi anunciado que os municípios
receberiam um prémio, caso fossem capazes de gerir as escolas com um menor número
de docentes, prémio esse que seria equivalente a 50% do valor dos vencimentos
dos docentes que ficaram sem emprego.
Os tempos
passaram até que um dia um alto funcionário foi encarregado pelo Governo de ir
entregar o prémio ao município. Com o cheque no bolso, lá se meteu autoestrada
fora, munido do conveniente GPS, até que encontrou a placa indicando S.
Bartolomeu. Saiu, pagou a portagem, ligou o GPS e foi à procura de S.
Bartolomeu. Andou, andou, e não encontrou nada. Ligou a imagem de satélite e o
que via não tinha qualquer semelhança com o que estava representado para S.
Bartolomeu.
Voltou para
trás, foi até outro concelho e perguntou à primeira pessoa que encontrou: o Sr.,
se faz o favor, não me diz por onde é a estrada para S. Bartolomeu?
O
interlocutor, de nome Bernardino, com ar de surpresa, respondeu, dizendo: o Sr.,
desculpe mas, se não é indiscrição, o que quer lá ir fazer?
O funcionário
responde: bom, não quero ir lá fazer nada de mal; tenho aqui um prémio que
queria ir entregar ao Presidente da Câmara.
Responde o Sr.
Bernardino: um prémio? Mas olhe que não vai poder entregar ninguém, porque já
algum tempo que o concelho fechou e foi vendido para ser transformado em
deserto.
Disse o
funcionário: transformado em deserto? Mas há lá petróleo? Começo a perceber
porque é que ninguém atendia e tiveram necessidade de me enviar, pessoalmente, de
Lisboa até cá.
Diz o Sr.
Bernardino: já agora, oh amigo, deixe cá o prémiozinho que nós bem precisamos
dele, pelo esforço que temos vindo a fazer para que isto não feche.
O funcionário
coça o queixo e diz: estou a começar a perceber!
O Sr.
Bernardino comenta: mas olhe que é bom que perceba depressa, se não, nós também
fechamos. Eu é que continuo sem perceber porque é que a dívida em vez de diminuir, só aumenta! Quando o Sr. perceber diga.
Boa Viagem!
Um texto carregado de actualidade em S. Bartolomeu como em quase todo o País. Os políticos passam mas as suas decisões marcam as aldeias, as vilas e as cidades.
ResponderEliminarMuitos erros se tem cometido e no fim a culpa foi sempre dos outros. Ninguém assume os erros e pior um pouco ninguém é penalizado.
Já vai sendo tempo de dizer basta a tanta asneira.
Já vai sendo tempo de certos meninos repensarem as politicas usadas.
Já vai sendo tempo . . .
EliminarDe fazer do tempo o nosso tempo.
Tenho dúvidas sobre se quem não é capaz de pensar seja capaz de repensar