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06 julho 2014

Fechou e foi vendido

Venho falar-vos do concelho de S. Bartolomeu.
Desde os tempos da conquista aos mouros e do povoamento incentivado pelos nossos primeiros reis, através de políticas que promoviam o amanho das terras, a florestação dos montes, a limpeza das linhas de água, o ensino, a cultura, a construção de linhas de defesa (castelos) e outras iniciativas, que o concelho de S. Bartolomeu, lá bastante no interior do país, orgulhoso do seu passado, sempre soube gerar prosperidade e bem-estar para os que nele viviam.
A partir dos fins dos anos 50, princípios dos anos 60, do séc. passado, começou a acontecer algo que já antes se tinha verificado mas que, agora, surgia com muito mais intensidade: a emigração dos mais jovens e dos homens que estavam na força da vida. Havia quem dissesse que isso era uma consequência da ditadura e da sua incapacidade para fomentar, em S. Bartolomeu, iniciativas geradoras de emprego.
Já nos anos 80, graças às remessas dos emigrantes e aos elevados ritmos de crescimento verificados no exterior, de que, também, beneficiava, a vida em S. Bartolomeu voltou a animar-se. Construíram-se novas escolas primárias, surgiu o primeiro liceu (depois escola secundária), o tribunal passou a dispor de um edifício próprio (Palácio da Justiça), ampliaram-se as instalações da repartição de finanças, apareceu um novo hospital, que veio substituir o velhinho hospital da Misericórdia, foi aberta a primeira Biblioteca, quase todas as casas passaram a dispor de acesso ao saneamento, intensificou-se o processo de urbanização, permitindo o acesso da grande maioria a uma casa própria, foi criada a primeira associação de bombeiros voluntários e muito mais  . . . Até a festa a S. Bartolomeu, a 24 de Agosto, que há já muitos anos se não realizava, voltou a adquirir o brilho de antigamente! A população andava feliz.
E os anos foram passando até que, de forma quase impercetível, se começou a falar da ideologia da eficiência. Prometia a salvação eterna a quem lhe declarasse obediência (era uma outra forma de prosseguir o califado). Estávamos em meados da 1ª década do séc. XXI. E que dizia a ideologia? Dizia que, em todas as iniciativas, quer privadas, quer públicas, era imperioso que os resultados que estavam programados fossem obtidos com o uso do menor número de recursos e ao menor preço (custo). Era indispensável ser eficiente, porque a "dívida" assim o impunha.
Não há dúvida, muito aliciante. Quem se poderia atravessar no caminho do argumento?
Só que nisto, como em muitas outras coisas da vida, verificou-se que havia um coelho na cartola. Para desarmar o homem da cartola, a pergunta que se impõe fazer é a de saber quais são os resultados de que se está a falar: os de curto, os de médio ou os de longo prazo? É necessário tê-los todos em conta, porque, por ex., aquilo que produz muito bons resultados a curto prazo pode ser desastroso a longo prazo. Veja-se o caso de um hospital que passou a poder funcionar com um muito menor número de pessoal auxiliar. Até parece que os que ficaram se tornaram mais competentes, mas ao fim de algum tempo começou-se a constatar que havia mais gente a morrer por razões que se atribuíam à falta da prestação de serviços atempados e de qualidade.
Inversamente, nem tudo o que dá resultados pouco significativos, no imediato, tem como consequência produzir maus resultados a longo prazo. Eu, conheci uma Faculdade que foi criada e funcionou, durante cinco ou seis anos, com professores, mas sem alunos. Parece o cúmulo do desperdício mas não era. Quando foi criada Faculdade os futuros docentes foram recrutados e enviados para o estrangeiro, para se qualificarem, através da realização dos seus doutoramentos. Foi só quando regressaram com os doutoramentos na mão que a Faculdade foi aberta a alunos. A partir daí foi considerada, na sua área de ensino, como das melhores escolas do país .
Consequências da generalização da ideologia?
Começaram por encerrar escolas do primeiro ciclo, porque estavam a funcionar com meia dúzia de alunos, o que era ineficiente, diziam. Era caro e os poucos alunos não aprendiam práticas de sociabilidade. A culpa era dos pais que tinham feito baixar a taxa de natalidade. As aldeias ficaram mais tristes, cada vez mais velhas e sem ânimo.
Depois, veio, o fecho de hospitais e centros de saúde, de tribunais, de repartições de finanças, a desqualificação dos serviços prestados por muitas outras instituições: serviços à agricultura e florestas, bombeiros, urbanização, etc., etc. Tudo isto em nome da batalha de eficiência, cujos generais, de eficiência pouco mais sabiam que o nome.
Mais recentemente houve um ministro que achou que poderia, ele próprio, ser mais eficiente, se transferisse a saga da eficiência do seu ministério para os municípios (ver, também, aqui). Para o efeito, descentralizaria, para estes, algumas componentes da gestão dos docentes dos estabelecimentos de ensino básico e secundário. Para adocicar a proposta foi anunciado que os municípios receberiam um prémio, caso fossem capazes de gerir as escolas com um menor número de docentes, prémio esse que seria equivalente a 50% do valor dos vencimentos dos docentes que ficaram sem emprego.
Os tempos passaram até que um dia um alto funcionário foi encarregado pelo Governo de ir entregar o prémio ao município. Com o cheque no bolso, lá se meteu autoestrada fora, munido do conveniente GPS, até que encontrou a placa indicando S. Bartolomeu. Saiu, pagou a portagem, ligou o GPS e foi à procura de S. Bartolomeu. Andou, andou, e não encontrou nada. Ligou a imagem de satélite e o que via não tinha qualquer semelhança com o que estava representado para S. Bartolomeu.
Voltou para trás, foi até outro concelho e perguntou à primeira pessoa que encontrou: o Sr., se faz o favor, não me diz por onde é a estrada para S. Bartolomeu?
O interlocutor, de nome Bernardino, com ar de surpresa, respondeu, dizendo: o Sr., desculpe mas, se não é indiscrição, o que quer lá ir fazer?
O funcionário responde: bom, não quero ir lá fazer nada de mal; tenho aqui um prémio que queria ir entregar ao Presidente da Câmara.
Responde o Sr. Bernardino: um prémio? Mas olhe que não vai poder entregar ninguém, porque já algum tempo que o concelho fechou e foi vendido para ser transformado em deserto.
Disse o funcionário: transformado em deserto? Mas há lá petróleo? Começo a perceber porque é que ninguém atendia e tiveram necessidade de me enviar, pessoalmente, de Lisboa até cá.
Diz o Sr. Bernardino: já agora, oh amigo, deixe cá o prémiozinho que nós bem precisamos dele, pelo esforço que temos vindo a fazer para que isto não feche.
O funcionário coça o queixo e diz: estou a começar a perceber!
O Sr. Bernardino comenta: mas olhe que é bom que perceba depressa, se não, nós também fechamos. Eu é que continuo sem perceber porque é que a dívida em vez de diminuir, só aumenta! Quando o Sr. perceber diga.
Boa Viagem!

2 comentários:

  1. Um texto carregado de actualidade em S. Bartolomeu como em quase todo o País. Os políticos passam mas as suas decisões marcam as aldeias, as vilas e as cidades.
    Muitos erros se tem cometido e no fim a culpa foi sempre dos outros. Ninguém assume os erros e pior um pouco ninguém é penalizado.
    Já vai sendo tempo de dizer basta a tanta asneira.
    Já vai sendo tempo de certos meninos repensarem as politicas usadas.

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    1. Já vai sendo tempo . . .
      De fazer do tempo o nosso tempo.
      Tenho dúvidas sobre se quem não é capaz de pensar seja capaz de repensar

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