Não, não, nada
do que possa estar a pensar!
Aquilo de que
vos quero falar é de um milagre.
Um PADRE e uma
MADRE encontraram-se numa encruzilhada e perante a complexidade e gravidade da
situação, com que se depararam, pediram, aos céus, a realização de um milagre.
O milagre é tão extraordinário que poderá ter como consequência a anulação de
50% da dívida externa dos países intervencionados pela troica.
Não haja
dúvidas, um milagre para o nosso tempo!
Mas será o
milagre verdadeiro, ou não será, antes, mais um embuste bem montado? É que, como
os media nos têm relatado, ele há PADRES e MADRES para tudo! Mais vale avaliar
bem antes de arrematar.
Comecemos por
de onde vêm o PADRE e a MADRE e, depois, onde é que se encontra a encruzilhada.
O currículo dos intervenientes pode dizer-nos alguma coisa sobre a
credibilidade que lhe possamos atribuir.
Bom, o PADRE,
surpresa das surpresas, não é mais do que um Plano “Politically Acceptable Debt Reestructuring in the Euro Zone” (Plano de Reestruturação da Dívida, na Zona
Euro, Politicamente Aceitável). Os seus progenitores são os Srs. Pierre Pâris e
Charles Wyplosz. Ao procurar saber de onde vem a MADRE descobrimos que tem a
mesmo progenitura que o PADRE. O PADRE e a MADRE são, por isso, irmãos. A MADRE tem como
característica genética o ser um “MutualAgreement for Public Debt Restructuring in the Eurozone” (Acordo Mútuo para a
Reestruturação da Dívida Pública na Zona Euro).
E onde é que se encontra a encruzilhada? Pois, a encruzilhada está
situada no grande quebra-cabeças que é o aparente poço sem fundo da dívida externa
dos países intervencionados, ou em vias de o poderem vir a ser. Poço sem fundo
porque, apesar de todas as medidas austeritárias que já foram adotadas e que se
previa poderem matar o bicho que mora no poço, o que vemos é que ele continua a
crescer. Em Portugal era de cerca de 94% do PIB no início do programa de
intervenção e quando este acabou, em Abril passado, já ultrapassava os 130%.
Afinal, o que é que não funcionou, para que as medidas adotadas não
tivessem produzido os resultados esperados? A terapêutica não é adequada? Foi
mal administrada? Ou mudaram as circunstâncias em que se considerava que ela
seria eficiente? Porventura, será necessário dizer “sim” a todas as questões
colocadas.
Regressemos ao PADRE e à MADRE. Em primeiro lugar o PADRE. O que os nossos
Pierre Pâris e Charles
Wyplosz vêm propor é, no essencial, que o Banco Central Europeu (BCE) compre
metade da dívida existente, a transforme em obrigações perpétuas sem juros
sendo, depois, ressarcido, nessa compra, pelos direitos de senhoriagem, sobre o
BCE, a que os países têm direito.
Vamos lá
traduzir isto em miúdos. Em primeiro lugar, o que são os direitos de
senhoriagem? Quando um país tem a sua moeda nacional e o seu Banco Central
emite moeda, o Banco obtém um lucro igual à diferença entre o valor nominal da
moeda e os custos em que o Banco tem que incorrer para produzir, distribuir e
recolher a moeda que deve ser substituída. Só que o Banco Central emite moeda a
pedido do Governo e, por isso, os lucros obtidos (direito de senhoriagem) devem
ser devolvidos ao Governo.
O mesmo se
passa com o Banco Central Europeu que, quando emite moeda, o faz em nome do
Estados membros da zona euro. Obtém lucros que, no caso do mecanismo do PADRE,
em vez de distribuir aos estados membros, na percentagem a que têm direito, os passaria
a guardar, a título de amortização das obrigações emitidas. O fato de os juros
serem nulos só causa perplexidade a quem pensar que o BCE deve realizar lucros
à custa dos Estados membros (para além dos que forem necessários para compensar
os seus custos de funcionamento). Para que o BCE fique totalmente ressarcido
pode ser necessário que o período de amortização se estenda por muitas décadas e não há nenhum mal nisso.
As críticas a
esta terapêutica são de ordem essencialmente política, e decorrem do facto de haver receio que
a medida adotada possa provocar tensões inflacionistas (pecado absolutamente
mortal numa Europa germanalizada), uma vez que ela equivale a colocar mais
dinheiro em circulação. Para além disso, invoca-se que a medida pode levar os
países a descurarem a sua capacidade de endividamento, permitindo que a dívida
volte a subir. O que os pais da criança nos dizem é que haverá sempre um
instrumento de controlo destes desvios, que consiste em voltar a converter a
dívida perpétua em dívida normal.
Estes
argumentos têm sido de pouco convencimento para quem entende que o status quo atual é mais seguro para
devedores e credores. Para rodear as objeções que têm vindo a ser realizadas e
os receios de que algum vírus pretensamente inflacionário se possa propagar ao
BCE (por ex. o financiamento dos estados nacionais) os progenitores do PADRE resolveram
não o deixar sozinho e deram-lhe uma MADRE que tem como vocação criar uma Agência que passaria receber os lucros
do BCE, anteriormente referidos, até que a amortização das obrigações tenha
sido totalmente realizada.
Equivale isto
a uma reestruturação da dívida? Nem mais nem menos: há um aumento do prazo de
amortização e ninguém vai perder nada com isso. Com este esquema não há dívida
que seja eliminada e os juros continuarão a ser pagos aos credores.
Milagre? Eu
diria, antes, “ovo de Colombo”, porque se pode perguntar porque é que ninguém
se tinha, ainda, lembrado de tal coisa. E com isto ficará tudo resolvido?
Infelizmente, receio bem que não. A questão importante, que deve ser colocada é
a de saber quais são as verdadeiras razões que têm levado os Estados a
endividarem-se. Se o principal fator de endividamento fosse o vício de
“vivermos acima das nossas possibilidades”, talvez a coisa se resolvesse, mas a verdade é que não é.
Com efeito,
muitos outros fatores devem ser enunciados como produtores de dívida: estrutura
produtiva esclerosada, recursos humanos pouco qualificados, capacidades de
gestão bloqueadas, Estado ineficiente, aparelho judicial moroso e inadaptado e,
mais importante que tudo, uma moeda única com paridades que têm como única
vocação (expressa, ou não) debilitar e extrair recursos dos países do Euro para
os quais a moeda se encontra sobrevalorizada.
Que fazer?
Quase que se poderia dizer que é necessário disparar em todas as direções:
reestruturar a dívida, qualificar o país, modificar as regras de funcionamento
do euro e de constrangimento orçamental e, quem sabe, ter até de sair do euro,
se os parceiros da União Monetária impedirem que as medidas alternativas produzam
os efeitos adequados. Nenhuma das vias enunciadas deverá ser considerada como
exclusiva.
É um programa
pesado e uma atitude arriscada? Pois é! Mas mais pesado é o programa que nos
está a levar para a destruição do país, com a submissão a mecanismos que em
lugar de eliminarem a dívida, criam condições para que ela se multiplique e
perpetue.
Não é caminho
que possamos fazer sozinhos e daí a estupidez da fábula do bom aluno (nós) que
não é igual aos outros meninos da turma (a Grécia, por ex.). Com efeito,
convencer a comunidade germanófila e associados da bondade das nossas
pretensões não é tarefa fácil, ainda que lhe possamos mostrar que, a longo
prazo, este caminho é, também, do seu interesse. Por isso, agir em conjunto é, certamente,
uma melhor estratégia do que a estratégia do bom aluno.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Os comentários estão sujeitos a moderação.