Por várias
vezes, e em outros posts, tenho
glosado esta questão dos mercados e da sua desorganização. Apesar disso, a
grande euforia que, no fim da semana passada, invadiu os meios de comunicação
social e até os comentadores de política económica mais improváveis, obrigam-me
a voltar ao assunto. O mote é o anunciado “grande sucesso do regresso aos
mercados e a consequente abertura das portas de esperança, para o crescimento, para
o emprego, para a situação social, etc., que tal significa”.
A
demonstração de que, afinal, os sacrifícios valeram a pena parece evidente.
Mais, dizem-nos que os sacrifícios poderão ter que continuar para não perdermos
a credibilidade e a confiança entretanto adquiridas junto dos mercados
financeiros internacionais. Os últimos sinais dados pelo comportamento do crescimento, do emprego,
das exportações, do consumo, etc., só o podem comprovar.
E nós, que
para aqui andámos a procurar demonstrar que a austeridade
só trazia malefícios, com que cara é que ficamos? Dirão alguns, mais
simpáticos, “metam o rabinho entre as pernas e não digam mais asneiras, porque
afinal eles sempre tinham razão!”.
É para dizer
que eles continuam a não ter razão que aqui estou a escrever.
Começo pelo, apresentado como “arrasador”,
regresso aos mercados. Não se trata senão de um embuste. Não se verificou
qualquer regresso aos mercados e ainda por cima dito no plural. Concedo que se
poderá falar não de uma ida aos mercados, mas de uma ida ao mercado de
capitais. No entanto, para que os seguranças nos deixassem passar pela porta de
entrada do mercado, quantas portagens não foi necessário pagar pelo caminho! E
bem nos foram dizendo que as portagens são para manter em futuros regressos,
embora se possa vir a fazer algum descontosinho! Fomos meninos bem comportados
capazes, até, de conquistar a confiança e a simpatia do monstro.
Contudo, não
deixa de permanecer a questão: era mesmo preciso comportarmo-nos como betinhos
face aos donos do dinheiro, ou um outro caminho teria sido possível?
Claro que não
era preciso e outros caminhos, menos gravosos, teriam sido possíveis.
Em economia
não há normativos únicos, porque cada um decorre dos pressupostos ideológicos
que lhe estão subjacentes e estes são muitos. Para mostrar que outros caminhos eram possíveis
socorro-me de um enquadramento que os economistas bem conhecem e que é o do “equilíbrio
geral de mercados”. Reconheço que algum suporte de natureza liberal lhe está
subjacente, porque admite que o funcionamento dos mercados se tende a ajustar
de modo a gerar um equilíbrio geral dos mercados. Pode e deve colocar-se
a questão de saber se é possível obter um equilíbrio geral sem a intervenção de
agentes (Estado), que lhe são exteriores.
Todos sabemos
que não. Mas isso não impede a teoria de nos dizer que não poderemos ter um
equilíbrio para o conjunto da economia se algum dos mercados (de capitais, mas
também do emprego, da inovação, da saúde, da educação, do consumo, das
exportações, etc.) estiver em desequilíbrio. Mais, como os mercados são
interdependentes, o equilíbrio de um mercado tem de se fazer com o equilíbrio
dos restantes, e não à sua custa.
Quer dizer,
evidentemente que temos um problema financeiro, mas também temos um problema
com o emprego, com o consumo, com a educação, etc. De pouco ou nada valerá resolver
o problema de um dos mercados se os outros continuarem por resolver. Se assim
acontecer o que se vai passar é que o equilíbrio de um dos mercados se faz à
custa dos outros. E foi o que se passou entre nós. Criámos condições para ir ao
mercado financeiro, mas o que não tivemos de pagar para lá chegar! Foram
inúmeras as portagens que desembolsámos e a última, de não pouca importância, foi
a do pagamento, ou promessa de pagamento, de uma taxa de juro de 4,6%, para uma
colocação de dívida a 5 anos. É a mais baixa desde há muito tempo mas, mesmo assim, incomportável.
Olhamos à
volta e o que vemos? Uma paisagem de destruição. Todos os mercados foram destruídos.
Todos não, houve um que sobreviveu, dir-se-ia, por milagre; foi o mercado
financeiro. Agora há que passar à fase da reconstrução de todos os outros;
pouco a pouco, mais uns que outros, eles vão começar a levantar-se. Pois, se
até depois do lançamento da bomba de Hiroshima foi possível ver aparecer
pequenas flores nos terrenos bombardeados! Só que isso não se deveu às
virtualidades da bomba, mas à riqueza e capacidade imensa da mãe terra e bem teria sido possível evitar as destruições da bomba.
Não nos
surpreendamos, por isso, que depois de bombardeados, também os outros mercados
comecem a renascer, mas quanto sofrimento, quanta morte, não foi necessária
para que tal acontecesse? O renascimento vai continuar a fazer-se, mas com dor,
porque os que gizam o funcionamento do mercado financeiro (e com isso continuam
a sua imparável dinâmica de extorsão dos nossos recursos) assim o determinam.
Não teria
sido possível fazer um outro caminho? Claro que sim mas, mais uma vez, para que
tal acontecesse seria necessário que o mercado financeiro não vivesse à custa
dos outros, mas com os outros. Ele não apenas gerou a crise como, também, fez
dos malfeitores os heróis da fita.
E a história
vai ter que continuar assim? Evidentemente que não, mas para isso será preciso
fazer-lhes a barragem, por ex., denunciando e impedindo que aqueles que
ajudaram a vender o país (privatizações) não sejam recebidos com palmas no
palácio dos malfeitores (Goldman Sachs).
Um comentário
final para reinterpretar o que para aí se tem andado a dizer sobre a
possibilidade de um programa cautelar. E se em vez da ideia de um seguro, de uma
almofada de conforto, olhássemos para ele antes, como, um instrumento de que os
donos do dinheiro (neste caso a UE) se socorrem para, agora, ainda por cima sem arriscarem
financiamentos, continuarem a limitar a nossa soberania, dando instruções, fazendo
visitas inspetivas (que pagamos), etc.?
E se aprendêssemos
alguma coisa com o Asterix?
Parabens Manuel por este oportuníssimo e bem fundamentado texto. Espero que ele contribua para trazer alguma lucidez e contenção aos comentadores, mesmo aos mais entusiastas do main streaming. Espero também que dele aproveite a Oposição para ganhar novo fôlego e dirigir a sua atenção para os rumos portadores de futuro para este País.
ResponderEliminarQue excelente contributo, nesta fase em que cresce a tendência para "embandeirar em arco"! E em que a "governance" se afadiga a branquear tudo o que regredimos em termos de Estado Social em nome de uma pseudo "boa receita". Sem que, mais uma vez, se reflita sobre o médio e longo prazos.
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