Este adeus
não veio depois da festa do amor, cantada por Paulo de Carvalho e escrita por
José Niza. Antes, pelo contrário, culmina um longo período de desavenças que
agora se apresenta travestido de luminoso presente de Natal. Ficámos sós, não
porque o ser amado partiu e queríamos que continuasse connosco, mas porque
depois de continuadas juras de amor descobrimos que tudo não passava de uma enorme
e disfarçada trapeirice.
Estou-me a
referir à anunciada partida da troika, do nosso país, e à paisagem de
destruição que nele se prepara para deixar. Acontece que o outro ser amado (os
responsáveis portugueses) continua inebriado nos vapores da grande celebração
da destruição sem se dar conta do clima de colaboracionismo em que se deixou
envolver.
Foi ontem
anunciada como terminada, com êxito, a décima avaliação da troika. Dizem os
comentadores que se tratou de mero pró-forma. Ainda faltam mais duas, uma em
Fevereiro e outra em Abril, e os mesmos comentadores referem que essas, sim,
serão a sério. Por isso, quem poderia ter pensado que o momento o adeus já
estava aí, desiluda-se; o Natal vai continuar a ser sofrido!
Dirão alguns:
ora, quem já aguentou tanto, também aguenta mais 3 ou 4 meses e depois virá a
primavera e o momento do adeus. Finalmente livres! Puro engano.
Desde há alguns
meses, mas mais intensamente, com o fim do resgate da Irlanda e com o anúncio
de que esta não iria recorrer à utilização de qualquer programa cautelar, iniciou-se
em Portugal a discussão sobre as vantagens e inconvenientes de, no nosso caso,
se solicitar o acesso a um programa cautelar. O Governo, ao tomar conhecimento
da decisão da Irlanda, sem se comprometer,deixou passar a mensagem de que, provavelmente,
se a Irlanda não precisou do programa cautelar, também Portugal se poderia dele
dispensar.
Convém,
talvez, precisar o que é o tal programa cautelar. Até hoje ainda nenhum
programa cautelar foi desenhado e, por isso, o que tem sido dito, ou são meras
especulações ou ilações feitas a partir de reflexões produzidas no âmbito
comunitário ou em outros fóruns. Parece, no entanto, haver razoável consenso
para se poder dizer que o programa cautelar corresponde à subscrição de uma
espécie de seguro, junto das instâncias comunitárias, segundo o qual a União
Europeia (EU) se dispõe a intervir no mercado, caso os financiamentos que Portugal
aí queira obter só o puderem ser mediante o pagamento de juros considerados especulativos.
Claro que,
sendo um seguro, a “empresa” que o emite exige o pagamento de um prémio, que se
vai traduzir pela continuação da tutela da EU através dos mandatários de
serviço, Jeroen Dijsselbloem e Olli Rehn.
A questão que se deve colocar é
a de saber se o recurso ao programa cautelar, no caso português, é uma
iniciativa do Governo, como os seus membros pretendem levar a crer ou, pelo
contrário é uma imposição dos credores. Se alguém poderia ter dúvidas, as
declarações feitas ontem pelo Presidente do Banco Central Europeu (BCE), Sr.
Mario Draghi, deixou tudo muito clarinho: “Sobre o período de transição haverá
um programa; haverá um programa adaptado à situação durante esse período de
tempo, e temos que ver que forma este programa irá assumir”.
Face a estas declarações as
oposições vieram, imediatamente, pedir explicações ao Governo, fazendo crer que
este andaria a realizar negociações secretas que deveria revelar ao país. É
minha convicção que não há qualquer espécie de negociações. Aliás, como se tem
visto, o Governo não está em condições de negociar coisa nenhuma, se é que o
deseja, antes, cumpre, qual criado dedicado, o que lhe é dito para fazer pelos
credores.
As declarações do Sr. Draghi
vêm mais uma vez mostrar quem é que manda aqui e revelam que a única grande
preocupação é garantir aos donos do capital financeiro que os valores
emprestados serão devidamente reembolsados, acrescidos dos juros especulativos
que lhe permitem continuar a realizar a extorsão dos recursos do país.
Com as revelações do Sr. Draghi
o que se está a dizer é que Portugal continua a ser um país de comportamento
irregular e que, por isso vai precisar de um seguro. Antes que tudo há que
garantir que os interesses do capital financeiro são salvaguardados. Para isso
os interesses dos portugueses, novos, velhos e de meia idade serão humilhados e
destruídos, mas isso pouco importa, porque o governo português não deixará de
ser bem comportadinho.
Uma nota final para revelar o meu
espanto pelas declarações do Chefe do Governo acerca do que foi afirmado pela
Sr.ª Lagarde acerca da necessidade de Portugal necessitar de vir a dispor de
mais tempo para o reembolso da dívida. Não deveria ser esse, também, o
interesse de Portugal? O Sr. Primeiro Ministro acha que não e,
consequentemente, em vez de se aliar à Sr.ª Lagarde para que ela dê instruções
aos funcionários que fazem os exames da troika em Portugal para terem
comportamentos compatíveis com as suas declarações, pelo contrário, entende que
defende os interesses de Portugal criticando a Sr.ª Lagarde e bajulando os
comportamentos dos técnicos do FMI, da UE e do BCE.
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