Utilizando a metodologia seguida na
União Europeia, que é ligeiramente diferente da utilizada pela OCDE, a taxa de
pobreza dos idosos desceu de 29% em 2003 para 20% em 2010. Porém, se
considerarmos um horizonte temporal mais longo, a incidência da pobreza dos
idosos reduziu-se de 40% em 1993 para cerca de metade em 2010. Esta profunda
redução da taxa de pobreza dos idosos constitui, inequivocamente, uma das
transformações mais relevantes ocorridas nas condições de vida e nos
rendimentos em Portugal.
Diversas explicações têm sido
avançadas para explicar esta transformação na pobreza dos idosos. Entre estas duas merecem particular
relevância: o aumento progressivo das pensões associadas a carreiras
contributivas mais estáveis e o papel da política social que desde muito cedo
prestou particular atenção aos idosos. Se a primeira das explicações permite
justificar o aumento progressivo do rendimento relativo dos idosos (as novas
gerações de idosos auferem pensões mais elevadas), a segunda tem dado um lugar de destaque às
situações mais gravosas de pobreza dos idosos através de instrumentos como a
pensão social ou o complemento solidário para os idosos.
Mas os dados atrás apresentados constituem
somente parte da história da efectiva alteração nas condições de vida da população idosa em
Portugal. Em estudo recente (The age-old problem of old age poverty in Portugal) tivemos oportunidade de demonstrar que existe uma forte
heterogeneidade nas condições de vida da população idosa: a profunda redução da
taxa de pobreza do conjunto da população idosa não impediu que se mantivessem bolsas
de pobreza de idosos com níveis de pobreza preocupantes.
Tomando como referência o ano de
2010, a taxa de pobreza da população com mais de 75 mantém-se acima dos 25%. Em
particular, os idosos isolados com 75 e mais anos têm uma taxa de pobreza
superior a 30%, o que significa que este grupo permanece como um dos grupos
populacionais com maior nível de precariedade económica e social e justifica a
manutenção, ou mesmo o acentuar, das medidas de política social que lhe são
dirigidas.
Num período de profundos cortes
dos rendimentos familiares, incluindo das pensões, e de retrocesso generalizado
das políticas sociais o reconhecimento dos ganhos alcançados num passado
recente na redução da pobreza não deve ser utilizado como pretexto para um
novo recuo das políticas públicas de apoio aos idosos ou como justificação para
os cortes cegos nos rendimentos familiares que alguns pretendem acentuar. Antes
deve ser um reconhecimento do muito que ainda falta fazer no nosso país para
erradicar a pobreza e garantir a cada um dos seus cidadãos o
direito a uma vida digna.
No momento em que se pretendem aprovar mais cortes nos rendimentos de pensionistas e reformados é particularmente útil este post de Carlos Farinha.
ResponderEliminarConvem sublinhar que a análise se refere ao período que termina em 2010. Sabemos bem que a política social que vinha sendo seguida não prosseguiu e a situação hoje é bem mais gravosa, a merecer conhecimento de novos dados.
Caro Prof. Carlos Farinha,
ResponderEliminarSeja bem-vindo a este fórum de debate. Habituados que estamos a apreciar a qualidade dos trabalhos que nos tem apresentado, não podemos senão esperar um significativo enriquecimento das reflexões que procuramos fazer no "Areia dos Dias". O post de hoje é já disso uma boa prova.
O ano de 2010 não pode deixar de ser uma data fatídica para os idosos. É verdade que depois disso ainda não nos é apresentada evidência empírica, mas a observação e o bom senso só nos podem dizer que a partir daí tudo só pode ter piorado.
A pobreza dos idosos não pode ser apreciada, apenas, em função do rendimento monetário que recebem. Mesmo que outros fatores de diminuição possam não ter existido, muitos dos idosos, se tinham deixado de ficar menos pobres, ao terem de repartir o conteúdo da sua malga com filhos e netos, não poderão deixar de voltar a ser mais pobres.
Concordo inteiramente com a mensagem de Farinha Rodrigues e com os dois comentários.
ResponderEliminarQuantos novos pobres e desempregados, não estão a bater à porta dos seus pais ou avós, que com eles passam a partilhar dos seus recursos financeiros e, não raro, das suas próprias casas. É algo que as estatisticas não nos mostram, mas todos sabemos que é a realidade.
Acresce que a descida do limiar de pobreza, por força do empobrecimento colectivo em curso, ao reduzir o número de idosos que ficam abaixo desse limiar, pode criar a ilusão de uma melhoria no tocante à taxa de pobreza, quando o que sucede é que se "promovem" assim alguns a ricos. Ou seja, os oficialmente pobres são agora mais pobres do que no passado. Ou não será assim?
Vale a pena referir que este Governo valoriza o aumento em cerca de 1% de algumas das pensões mínimas (ainda que tente passar a ideia que aumenta todas), de cerca de 2 a menos de 3 euros mensais em 2013 e um pouco menos em 2014, mas diminuindo o valor de referência garantido pelo Complemento Solidário para Idosos (em -113 euros em 2013) quando este representava mais de 40% de acréscimo de rendimento dos pensionistas que o auferiam. (José Luís Albuquerque)
ResponderEliminarMuito importante este contributo do Carlos Farinha Rodrigues, numa altura em que a perplexidade quanto aos resultados daquele relatório da OCDE começava a vir ao de cima. Muito importante, ainda, que tenha analisado os dados sobre a pobreza dos/as idosos/as no âmbito da U.E. De resto, qual a pertinência de se realizarem estudos e tentativas de comparação - as quais, de resto, a própria OCDE considera merecerem muitas reservas ...- num âmbito de economias e sociedades tão heterogéneas, não só, especificamente, no domínio dos regimes de Segurança Social como, sobretudo, no do respeito pelos próprios direitos humanos e sociais fundamentais ?!
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