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27 novembro 2013

Acerca da pobreza dos idosos

A publicação esta semana do relatório da OCDE “Pensions at a Glance 2013” veio chamar a atenção para um dos factos mais relevantes da evolução recente da pobreza em Portugal: a descida da incidência da pobreza dos idosos.

Utilizando a metodologia seguida na União Europeia, que é ligeiramente diferente da utilizada pela OCDE, a taxa de pobreza dos idosos desceu de 29% em 2003 para 20% em 2010. Porém, se considerarmos um horizonte temporal mais longo, a incidência da pobreza dos idosos reduziu-se de 40% em 1993 para cerca de metade em 2010. Esta profunda redução da taxa de pobreza dos idosos constitui, inequivocamente, uma das transformações mais relevantes ocorridas nas condições de vida e nos rendimentos em Portugal.
Diversas explicações têm sido avançadas para explicar esta transformação na pobreza dos idosos.  Entre estas duas merecem particular relevância: o aumento progressivo das pensões associadas a carreiras contributivas mais estáveis e o papel da política social que desde muito cedo prestou particular atenção aos idosos. Se a primeira das explicações permite justificar o aumento progressivo do rendimento relativo dos idosos (as novas gerações de idosos auferem pensões mais elevadas), a segunda tem dado um lugar de destaque às situações mais gravosas de pobreza dos idosos através de instrumentos como a pensão social ou o complemento solidário para os idosos.

Mas os dados atrás apresentados constituem somente parte da história da efectiva alteração nas condições de vida da população idosa em Portugal. Em estudo recente (The age-old problem of old age poverty in Portugal) tivemos oportunidade de demonstrar que existe uma forte heterogeneidade nas condições de vida da população idosa: a profunda redução da taxa de pobreza do conjunto da população idosa não impediu que se mantivessem bolsas de pobreza de idosos com níveis de pobreza preocupantes.
Tomando como referência o ano de 2010, a taxa de pobreza da população com mais de 75 mantém-se acima dos 25%. Em particular, os idosos isolados com 75 e mais anos têm uma taxa de pobreza superior a 30%, o que significa que este grupo permanece como um dos grupos populacionais com maior nível de precariedade económica e social e justifica a manutenção, ou mesmo o acentuar, das medidas de política social que lhe são dirigidas.

Num período de profundos cortes dos rendimentos familiares, incluindo das pensões, e de retrocesso generalizado das políticas sociais o reconhecimento dos ganhos alcançados num passado recente na redução da pobreza não deve ser utilizado como pretexto para um novo recuo das políticas públicas de apoio aos idosos ou como justificação para os cortes cegos nos rendimentos familiares que alguns pretendem acentuar. Antes deve ser um reconhecimento do muito que ainda falta fazer no nosso país para erradicar a pobreza e garantir a cada um dos seus cidadãos o direito a uma vida digna.

5 comentários:

  1. No momento em que se pretendem aprovar mais cortes nos rendimentos de pensionistas e reformados é particularmente útil este post de Carlos Farinha.
    Convem sublinhar que a análise se refere ao período que termina em 2010. Sabemos bem que a política social que vinha sendo seguida não prosseguiu e a situação hoje é bem mais gravosa, a merecer conhecimento de novos dados.

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  2. Caro Prof. Carlos Farinha,
    Seja bem-vindo a este fórum de debate. Habituados que estamos a apreciar a qualidade dos trabalhos que nos tem apresentado, não podemos senão esperar um significativo enriquecimento das reflexões que procuramos fazer no "Areia dos Dias". O post de hoje é já disso uma boa prova.
    O ano de 2010 não pode deixar de ser uma data fatídica para os idosos. É verdade que depois disso ainda não nos é apresentada evidência empírica, mas a observação e o bom senso só nos podem dizer que a partir daí tudo só pode ter piorado.
    A pobreza dos idosos não pode ser apreciada, apenas, em função do rendimento monetário que recebem. Mesmo que outros fatores de diminuição possam não ter existido, muitos dos idosos, se tinham deixado de ficar menos pobres, ao terem de repartir o conteúdo da sua malga com filhos e netos, não poderão deixar de voltar a ser mais pobres.

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  3. Concordo inteiramente com a mensagem de Farinha Rodrigues e com os dois comentários.
    Quantos novos pobres e desempregados, não estão a bater à porta dos seus pais ou avós, que com eles passam a partilhar dos seus recursos financeiros e, não raro, das suas próprias casas. É algo que as estatisticas não nos mostram, mas todos sabemos que é a realidade.
    Acresce que a descida do limiar de pobreza, por força do empobrecimento colectivo em curso, ao reduzir o número de idosos que ficam abaixo desse limiar, pode criar a ilusão de uma melhoria no tocante à taxa de pobreza, quando o que sucede é que se "promovem" assim alguns a ricos. Ou seja, os oficialmente pobres são agora mais pobres do que no passado. Ou não será assim?

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  4. Vale a pena referir que este Governo valoriza o aumento em cerca de 1% de algumas das pensões mínimas (ainda que tente passar a ideia que aumenta todas), de cerca de 2 a menos de 3 euros mensais em 2013 e um pouco menos em 2014, mas diminuindo o valor de referência garantido pelo Complemento Solidário para Idosos (em -113 euros em 2013) quando este representava mais de 40% de acréscimo de rendimento dos pensionistas que o auferiam. (José Luís Albuquerque)

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  5. Muito importante este contributo do Carlos Farinha Rodrigues, numa altura em que a perplexidade quanto aos resultados daquele relatório da OCDE começava a vir ao de cima. Muito importante, ainda, que tenha analisado os dados sobre a pobreza dos/as idosos/as no âmbito da U.E. De resto, qual a pertinência de se realizarem estudos e tentativas de comparação - as quais, de resto, a própria OCDE considera merecerem muitas reservas ...- num âmbito de economias e sociedades tão heterogéneas, não só, especificamente, no domínio dos regimes de Segurança Social como, sobretudo, no do respeito pelos próprios direitos humanos e sociais fundamentais ?!

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