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21 outubro 2013

Querido monstro (a propósito do Orçamento de Estado que aí vem)

Estamos a viver um tempo de desesperança. Todos se interrogam: para onde é que isto nos leva? As respostas não se encontram e já se começam a desejar soluções extremas, que poderão pôr em causa o funcionamento democrático da sociedade, embora também se diga que elas serviriam para repor o perdido funcionamento democrático. Somos levados, por isso, a constatar que, na sequência das medidas de política que têm vindo a ser tomadas pelo Governo, desde a chegada da troika, a coesão económica e social entre os portugueses tem vindo a ser corroída de forma inexorável.
 
O Orçamento de Estado (OE) sempre tem constituído um instrumento importante de explicitação das opções de política económica do Governo, enquadrador e orientador das decisões dos outros agentes económicos. O OE era e deveria continuar a ser tomado como um fator de mobilização e de promoção do crescimento e do desenvolvimento.
 
Assistimos, hoje, à completa inversão das expetativas de todos os que de modo direto, ou indireto cruzam as suas decisões com as do Governo. Em lugar de transmitir energia positiva às decisões dos agentes económicos, o OE transformou-se num seu travão, que provoca toda a espécie de derrapagens e não fornece qualquer orientação quanto ao futuro. Não há um quadro previsível de estabilidade de política económica e a atitude mais corrente é a de todos se perguntarem, "o que é que poderá, ainda, vir aí".
 
As razões deste desnorte são conhecidas. Crê-se que a mãe de todos os nossos males é o deficit das contas públicas, ignorando que este é uma consequência do comportamento de muitas forças da economia, que não apenas o do Governo. Para além disso, omite-se, voluntariamente, que se o deficit, numa perspetiva de curto prazo, pode ser condicionado negativamente pelo crescimento das despesas, ele pode e deve, também, ser reduzido, e com maior sustentabilidade, através do aumento das receitas.
 
Com a sua política económica, o Governo surge como um monstro que suga todas as energias da economia e da sociedade. Acontece que essas medidas de política, sendo opção e convicção do Governo são, também, o resultado de orientações de poderes vindos do exterior. Contrariamente ao que se poderia pensar, as opções tomadas não o são a contragosto, são antes a consequência de uma convicção segundo a qual, para dar um futuro ao país, há que começar por destruir o Estado Social e, por essa via, o próprio Estado, com a configuração que adquiriu após o fim da 2ª Guerra Mundial e de que nos orgulhamos.
 
O regime de protetorado a que temos vindo a estar sujeitos em vez de ser repelido, torna-se, pelo contrário, desejado. Não surpreende, assim, que o monstro em vez de ser repelido seja, antes, acarinhado e ouvem-se, até, expressões do tipo “meu querido monstro”.
 
Vale a pena recordar que há pouco mais de uma semana o presidente da Comissão Europeia não teve pejo em afirmar que “haveria caldo entornado em Portugal, caso se verificasse instabilidade e falta de responsabilidade de todos os órgãos de soberania”. Referia-se, com isso, ao comportamento do Tribunal Constitucional. Até onde poderá ir a ameaça?
 
Esquecem-se, no entanto, os que se deliciam com tais afetividades com as forças do protetorado que, não há muitas décadas, atitudes semelhantes foram classificadas de “colaboracionistas” com as forças invasoras, com os resultados que se conhecem. Também hoje começa a tornar-se oportuno afirmar “Resistência precisa-se”.

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