15 outubro 2013

Ao destapar o pote da poção mágica . . . ( I )

Destapar o pote da poção mágica é algo que, em geral, não é acessível senão aos magos. Se qualquer pessoa tivesse a possibilidade de tirar o testo do pote e cheirar os aromas da poção, o encantamento anunciado desapareceria de imediato; deixaria de produzir os efeitos até aí anunciados ou que dela eram esperados.
Conhecemos, em todas as civilizações, este mecanismo condicionador dos comportamentos dos seres humanos. Tem como objetivo central a salvaguarda do poder que uma elite minoritária exerce sobre a grande maioria da população. A presença deste mecanismo teve e continua ter lugar, tanto em esferas religiosas, como civis.
No âmbito religioso, sabemos que o pote era uma espécie de reprodução do “Santo dos Santos”, a que apenas tinham acesso os sacerdotes, os puros, os únicos autorizados a ter contato com o divino. Ainda hoje, nos templos atuais, encontramos, por vezes, reminiscências desta arquitetura de poder.
No âmbito civil, a salvaguarda do poder das minorias privilegiadas corporizou-se na existência de um Soberano, rodeado por uma Corte, de onde emanava toda a legitimidade decisional. Entretanto, alguma evolução positiva foi tendo lugar; os regimes monárquicos, foram ganhando maiores características de democraticidade, ou substituídos por regimes republicanos que fundavam a sua legitimidade na representação popular, daí decorrendo o governo do povo, pelo povo e para o povo.
Contudo, a pureza inicial destes fundamentos tem-se vindo a perverter, transformando muitos dos regimes atuais em reproduções dos anteriores regimes sacerdotais, onde cliques partidárias encontram caminhos que lhes permitem arredar das decisões fundamentais a grande maioria dos cidadãos. A poção mágica, que só pode ser preparada e administrada pelos novos sacerdotes da política surge, de novo, como possuindo poderes salvíficos.
É nesta arquitetura de poder que têm o seu ninho as “soluções sem alternativa”, que se apresentam como se tivessem inspiração divina e, por isso, são anunciadas como inquestionáveis.
É o que temos vindo a ver acontecer, em Portugal, com a gestão da crise e a administração da dívida pública. O Governo não cessa de nos transmitir que não há outro caminho. Assim tem sido, mas alguns ousaram espreitar para trás da cortina do “Santo dos Santos” e conseguem ver que, afinal, o “Rei vai nu”
O que tem sido anunciado como a inevitabilidade das decisões tomadas demonstra, apenas, a ignorância sobre o funcionamento dos principais mecanismos macroeconómicos e seus equilíbrios. A sua compreensão não tem que ser reservada aos sacerdotes. Todos poderemos compreender que o que nos têm vindo a ser apresentado como inevitável é caminho que pode ser arredado.
Na continuação desta exposição, procurarei dar algumas espreitadelas para trás das cortinas. É um exercício de risco limitado. Em outros posts procurarei dar mais alguns passos neste território do sagrado. Como em todas as panelas, ao tirar o testo podemos estar sujeitos a uma lufada de vapor que nos impede de ver por uns momentos mas, depois, tudo se torna mais transparente.
Para justificar as inevitabilidades a máquina governamental arma-se com o argumento dos equilíbrios macroeconómicos. Vejamos, então, aquele que deve ser considerado o equilíbrio mais elementar: a igualdade, incontornável, entre as receitas e as despesas. Comecemos por ver o que são as receitas e o que são as despesas de um país.
Durante um determinado ano as receitas de um país podem ser estimadas através da riqueza criada, o que constitui os recursos que ficam disponíveis para utilizações finais. Como podem ser avaliados?
Tenho que pedir um pouco da vossa paciência para introduzir uma nova terminologia sobre a qual convém que nos fixemos (cá está a lufada de vapor). Esses recursos podem ser avaliados através das “Remunerações” (R), e do “Excedente Bruto de Exploração” (EBE), que é o que resta depois de se retirar, ao valor da produção realizada, o valor dos bens e serviços transformados durante o processo produtivo (“Consumos Intermédios”) (CI) e as R (por razões de simplificação, não refiro outras rubricas de valor pouco significativo). À soma de R e de EBE designa-se por Valor Acrescentado Bruto (VAB).
Admitamos, agora, que o VAB é igual a 100, que as R são iguais a 57 e que o EBE é igual a 43 (estes valores mantêm as proporções dos valores dessas variáveis verificadas em 2008). Se os valores verificados fossem de 60 e 40, respetivamente, o valor do VAB continuaria a ser igual a 100 (ver gráfico abaixo).
 
As despesas (empregos finais) terão que ser iguais às receitas, i. e., iguais a 100. Os empregos finais têm a seguinte composição: o “Consumo das Famílias” (C), os “Gastos do Governo” (G), o “Investimento” (I) e as “Exportações” (E), deduzindo-se as “Importações” (M). Continuando a manter as proporções de 2008 teremos, C = 70; G = 23; I = 24; E = 32 e M = 49. A soma destes vários agregados é 100, portanto, igual ao VAB. No entanto a soma 100 poderia ser o resultado de outros valores para os agregados, por ex.: C = 75; G = 25; I = 25; E = 30 e M = 55.
 
Explicitei valores alternativos para as variáveis, que correspondem a outras tantas alternativas de política, mais ou menos amigas dos que trabalham, das políticas sociais e do bem-estar dos cidadãos. Essas alternativas conseguem-se através da adoção de políticas macroeconómicas adequadas que, para se tornarem efetivas têm que, antes de mais, ser desejadas. Não há impossibilidade, mas só há alternativas se houver desejo.
Atrás, a apresentação foi feita como se os valores dos agregados fossem independentes, uns dos outros, e como se fosse igualmente fácil modificar o valor de um agregado ou de um outro qualquer. Veremos num próximo post que assim não é, mas que os caminhos alternativos não estão todos tapados.

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