Não é novo o debate sobre a questão de saber qual das
medidas de política é mais virtuosa com vista a alcançar o objetivo do
desenvolvimento e do crescimento económico: a diminuição das despesas ou o
aumento dos impostos. Em geral a diminuição da despesa tende a ser defendida
pela “direita” e o aumento dos impostos, pela “esquerda”. Já em outra ocasião
aqui foi justificado porque é assim mas, mais abaixo, voltarei à questão.
No limite, poder-se-ia dizer que uma e outra são
instrumentos desse objetivo do desenvolvimento e do crescimento. No entanto,
não é verdade que sejam equivalentes, porque os efeitos que uma e outra
produzem, para além de outros, têm incidências diferentes sobre a repartição
pessoal dos rendimentos e da riqueza.
A intervenção do Senhor Primeiro-ministro, feita no dia
seguinte ao conhecimento público das decisões do Tribunal Constitucional sobre
o Orçamento de Estado de 2013, é esclarecedora a esse respeito, mas nela só se conta
uma parte da história. O Senhor Primeiro-Ministro afirma, sem rebuço, que “não
vai aumentar os impostos” e que “a alternativa será a contenção da despesa
pública na saúde, segurança social, educação e empresas públicas”. O que parece
que ele não terá percebido é que a contenção da despesa pública, nos domínios
que enuncia, é um equivalente perfeito de um aumento dos impostos.
Vejamos porquê. Um princípio elementar em economia é o de
que será difícil poder encontrar num conjunto de varáveis (e o exemplo poderia
ser o das despesas e dos impostos) uma qualquer que não esteja relacionada com
as restantes. É isso que leva a que os sistemas tendam a manter-se em
equilíbrio.
A figura seguinte mostra que quando se diminui o nível do
líquido num dos tubos do sistema de vasos comunicantes, o nível tende a
ajustar-se em todos os outros, de modo a que, no fim, todos se encontrem ao
mesmo nível. Naturalmente que estou a supor que o líquido tem a mesma densidade
em todos os tubos e que no interior dos tubos não existem rugosidades que
impeçam a livre circulação do líquido.
Trata-se de um princípio que sendo válido na física também o é na economia.
É neste quadro que pretendo analisar os efeitos das medidas de contenção das despesas, enunciadas. O Senhor Primeiro-ministro não teve um minuto de hesitação em considerar que era no tubo das despesas que deveria fazer diminuir o nível de equilíbrio. Vejamos as consequências da adoção desta medida.
Devendo a diminuição das despesas acontecer nas áreas da saúde, da segurança social, da educação e das empresas públicas, quem é que, no conjunto da população portuguesa, é mais afetado por essa diminuição? Não é preciso fazer grandes lucubrações intelectuais para percebermos que quem vai sofres mais com essa diminuição são as pessoas que mais recorrem aos serviços públicos prestados no âmbito daqueles setores, isto é, os titulares de mais baixos rendimentos. Sabemos todos que quem possui elevados rendimentos prefere, sobretudo em momento de crise, pagar os serviços prestados por entidades privadas e garantir, assim, uma boa qualidade de serviços. Não é por isso que diminui significativamente o seu nível de vida.
Para os titulares de mais baixos rendimentos a diminuição da despesa, traduz-se por uma redução da qualidade do serviço prestado e equivale a um aumento de impostos para essas pessoas. É bem conhecido, desde o início do desenvolvimento do Estado Social, que com ele se pretendia permitir o acesso a serviços de boa qualidade aos titulares de menores rendimentos. Só que esses serviços tinham de ser financiados e eram-no através da cobrança de impostos sobre os titulares de rendimentos mais elevados.
O que aconteceu é que os donos do grande capital e dinamizadores da economia financeira entenderam dizer, “não!”. Consideraram que era tempo de reaver as quantias que sustentaram o desenvolvimento do Estado Social e, por isso, assim, temos o ataque ao Estado Social, através da diminuição das despesas e a redução, ou não aumento, dos impostos, sobre aqueles que têm capacidade para os pagar.
Proteger o nível de serviço a que acedem os titulares de menores rendimentos não pode, senão, ser entendido como uma medida de política da “esquerda”.
Em contrapartida, qual é o significado do não aumento dos impostos? Quando o Sr. Primeiro-ministro fala de não aumento de impostos, fala deles como se constituíssem uma entidade homogénea e daí a ideia de que um aumento de impostos vai prejudicar seriamente a competitividade da economia, a iniciativa empresarial, a iniciativa pessoal, etc. Não é assim.
Não podendo entrar em muitos detalhes, sempre vale a pena referir a distinção entre impostos diretos e impostos indiretos, entre impostos sobre o consumo e impostos sobre a produção. Ora, atuar sobre cada um deles tem consequências diferentes sobre a produção e sobre o consumo.
Embora de forma grosseira tem-se dito que o aumento dos impostos sobre a produção reduz a competitividade das empresas. Isto, também, não é verdade, porque as empresas não reagem todas da mesma maneira ao impulso dos impostos. Mas vamos admitir que sim e que se optava, então, por um aumento sobre os impostos pessoais. Como?
Admitamos que o imposto sobre as pessoas era progressivo, ou seja, que os que têm rendimentos mais elevados vão pagar segundo uma taxa proporcionalmente superior. Suponhamos que com vista a não sobrecarregar os que têm rendimentos mais baixos, se determina que só pagarão imposto as pessoas que têm um rendimento superior ao rendimento pessoal médio (mas o critério pode ser outro), de acordo com uma taxa de progressividade adequada.
Assim se conseguiria a preservação da qualidade dos serviços públicos e, simultaneamente, se obteria uma repartição mais equilibrada dos rendimentos.
Mas há uma dificuldade e a dificuldade é a de que isto não pode caber nas mentes dominadas por conceções neoliberalizantes da economia e da vida em sociedade.
A solução anunciada pelo Sr. Primeiro-ministro não é, assim, uma inevitabilidade é, antes, uma consequência, ou da ignorância ou de conceções ideológicas que, neste momento só podem prejudicar o país, as portuguesas e os portugueses. É uma conceção de “direita”.
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