A estatística
é um instrumento fundamental para os economistas (e não apenas para eles)
interpretarem os fenómenos económicos e os comportamentos dos agentes. No
entanto, são frequentes os casos em que, como na anedota do cavalo do inglês,
se fazem utilizações abusivas do instrumento tornando as conclusões a que se
pretende ter chegado completamente inaceitáveis.
Esta semana
fomos surpreendidos com a divulgação da notícia de um estudo realizado por académicos
de uma prestigiada universidade dos EUA (Massachussets) que punha em causa os
resultados de um outro estudo mais antigo, realizado pelos economistas e académicos Keneth Rogoff
e Carmen Reinhart (Harward).
A notícia não
passaria de mais uma, não fora o caso de o estudo posto em causa ter vindo a
constituir um dos suportes fundamentais à afirmação de que os países fortemente
endividados têm que diminuir a sua dívida para depois poder crescer.
O que o
estudo referido nos vem dizer é que nada está provado sobre esta matéria o que
é mais uma justificação para a irracionalidade das medidas austeritárias que
têm vindo a ser adotadas no nosso país. Vejamos do que é que se trata.
O
estabelecimento ou identificação de correlações entre variáveis constitui um
dos instrumentos estatísticos mais correntemente utilizados para o estudo dos
fenómenos económicos. No entanto, como todos os instrumentos, também para este
existem limites à sua utilização.
Diz-se que
existe uma correlação entre duas ou mais variáveis se ao estudarmos o seu
comportamento verificamos que existe uma relação entre os seus comportamentos
(por ex., quando chega a primavera as árvores começam a florir; ou, porventura,
quando as árvores começam a florir, chega a primavera).
Dizer que
existe uma correlação, é dizer que quando uma variável se
comporta de uma certa maneira, a outra tem um outro comportamento que, também,
já se conhece. É tudo quanto a correlação nos diz. Só que estabelecida a
correlação há quem faça explorações que nos colocam, com frequência, perto do
abismo.
No início da
aprendizagem da estatística todos são alertados para a circunstância de que o
facto de existir uma correlação nada diz sobre se existe alguma relação de
causa e efeito entre as variáveis:
- A primavera chega quando as árvores ficam em flor?
- As árvores ficam a flor quando chega a primavera?
- Ou nem uma coisa nem outra e apenas se pode dizer que os dois fenómenos se verificam simultaneamente?
É
precisamente uma questão deste tipo que se coloca quando se diz que é preciso
diminuir o endividamento para pode começar a crescer. Mas porque é que não é o
contrário, ou seja, porque é que não se diz que é preciso começar a crescer para diminuir o endividamento?
É possível
sair disto? Claro que sim. É aqui que entra na dança a economia e a economia ao
serviço da sociedade. Não se trata de nenhum coelho na cartola, trata-se,
antes, do esforço de compreensão de como funciona a sociedade, dos mecanismos
económicos que lhe estão subjacentes da sociedade que se deseja possuir.
É assim que
se desenvolvem as teorias económicas, mas como se compreende elas têm
subjacente uma certa visão da realidade, ou dito de outra maneira, um certo
pressuposto ideológico ou uma certa opção por um modelo de sociedade.
Mas
perguntar-se-á, então para que servem as correlações? As correlações
permitem-nos ir esgravatando o terreno, mas nada nos dizem sobre as relações de
causa e efeito entre as variáveis. A determinação do que é causa de quê só pode
ser dada pela teoria.
O que até
aqui foi dito constitui uma excelente denúncia da insustentabilidade da
autoridade tecnocrática ou científica com que pretendem embrulhar-se certos
economistas ou académicos.
Voltemos à
questão da dívida e do crescimento. Deve-se acabar com a dívida para depois
começar a crescer ou deve-se começar a crescer para acabar com dívida?
O Governo do
país optou pela primeira alternativa. Os resultados inicialmente antecipados estão longe de
ser visíveis e os portugueses encontram-se cada vez mais num beco sem saída e
numa situação de desesperança, ingredientes que não permitem que qualquer nação
possa ser considerada viável: a dívida aumenta exponencialmente, o crescimento
está cada vez mais anímico e a taxa de desemprego não cessa de aumentar.
Quanto à
segunda alternativa poderão os mais pessimistas interrogar-se
sobre a sua viabilidade, mas uma questão torna-se inevitável: como é possível
pagar dívida e juros crescentes, se a fonte das receitas (o crescimento da
economia) definha?
Sem comentários:
Enviar um comentário
Os comentários estão sujeitos a moderação.