Este post é aqui suscitado na sequência de um comentário político realizado, há dias,
na SIC (ver aqui) , a propósito dos preços e tarifas praticados
pelas grandes empresas de combustíveis, gaz, comunicações, energia e outras.
Muito do que foi dito parece assertivo, mas uma sua boa compreensão exige
que, previamente, se faça alguma reflexão acerca das condições de funcionamento
dos mercados concorrenciais.
Desde há muito, mas sobretudo desde que se desencadeou a crise, que os melhores representantes das correntes do liberalismo económico,
de que os membros da troika são
apenas uma componente, não se têm cansado de afirmar que os males da sociedade
portuguesa se enraízam na falta de competitividade da sua economia. Vamos
procurar ver que esta explicação, nas condições concretas de funcionamento da
sociedade portuguesa (mas seria aplicável às de todos os outros países) não tem
qualquer sustentação.
Como já aqui o referi em diferentes ocasiões, para que a concorrência
possa gerar condições de funcionamento eficiente das economias é indispensável
que se verifiquem, simultaneamente, um conjunto de pressupostos, não apenas num
mercado, mas em todos os mercados: produtos, matérias-primas, financeiro,
trabalho, inovação, etc, etc.
Não voltarei ao assunto dos pressupostos, mas o tratamento do assunto pode ser
encontrado em qualquer manual elementar de microeconomia. Não deixarei, no entanto, de
reafirmar que nunca foi possível, em nenhum tempo, nem em nenhum lugar,
verificar o funcionamento eficiente dos mercados, i.e., a existência de mercados de concorrência perfeita.
Esta conclusão seria o bastante para se concluir que o
objetivo da concorrência deveria deixar de constituir um mito, tanto mais que
está demonstrado que quando não se verifica um dos pressupostos deixa de ter
sentido procurar que se verifiquem os outros, com a ideia de que quando não se
verifica um pressuposto mais vale prosseguir a realização dos restantes do que
não prosseguir a realização de qualquer deles.
Acontece, no entanto que, mesmo quando é demasiado evidente
que os pressupostos não se verificam, os agentes que controlam o funcionamento
dos mercados, tal qual eles existem, tudo fazem para se apropriarem de
resultados que seriam os obtidos com um modelo de concorrência perfeita.
É neste quadro que deve ser apreciado o funcionamento do
mercado financeiro. O mercado financeiro tornou-se global e por ser global o
refiro no singular. Só teria sentido falar no plural se o mercado financeiro
não fosse global. Sendo global domina todos os restantes que o não são,
subordinando-os aos seus interesses.
Muito se tem evocado a situação da falta de investimento na
economia produtiva, invocando-se a inexistência de condições de financiamento.
Este argumento não é senão um embuste. Com efeito, desde há mais de uma década que
a globalização do mercado financeiro vem sendo acompanhada de um poderoso
movimento de inovação financeira que cria produtos de investimento financeiro
que se tornam mais rentáveis do que o é o investimento na economia real. O
dinheiro que vai para a economia financeira falta, assim, na economia real.
Até que a bolha rebenta (vide o desencadear da crise em
2008)! Então todos clamaram pela regulação dos mercados financeiros, incluindo
os governos dos países mais poderosos. O que aconteceu foi que muitos dos que
mais alto falaram rapidamente se calaram, porque eles próprios tinham avultados
investimentos nesses produtos financeiros de cujos rendimentos não quiseram
abdicar.
Consequência? Em vez de colocar o mercado financeiro como
instrumento da economia real, é a economia real que se transforma em
investimento da economia financeira. Não há prova mais evidente do que o que se
está a passar com os designados países da crise.
Porquê estes e não outros? Porque são os mais frágeis e
menos capazes de reagir aos ataques do mercado financeiro. Uma vez sugados
estes, outros serão atacados pela calada da noite.
Esta exposição já vai longa, mas era necessário ter
presentes os seus termos para compreender muito do que hoje se passa com a
economia portuguesa. A intervenção de um comentador de economia da SIC,
que normalmente não parece alinhado com os princípios que acabei de enunciar, tornou-se
matricialmente esclarecedora (ver aqui).
Vejamos algumas das questões abordadas.
A primeira questão colocada foi a de saber porque é que
tendo passar a haver um maior número de operadores no mercado, os preços continuavam sem
baixar: os dos combustíveis, do gaz, das comunicações, etc,
contrariamente ao que inicialmente se dizia que iria acontecer. O comentador
responde que isso acontece porque todas as operadoras estão conluiadas com o
setor financeiro! Isto é o mesmo que dizer que as referidas operadoras são um
instrumento de extração de valor dos consumidores a favor do sistema financeiro.
Utiliza o mesmo argumento a propósito das empresas que
exploram estradas e energia, para concluir que quem manda no país não podem
continuar a ser o setor financeiro e as empresas do PSI 20.
Acrescenta, depois, que num mercado de dez milhões de consumidores
os operadores “colocam-se todos acima e ninguém desce o preço”. Cá está, não
basta invocar os benefícios da concorrência para que eles aconteçam.
Na sua opinião o Governo deveria tabelar os preços e poderia
fazê-lo tomando como norma a média dos preços europeus em cada setor; só um
poderoso movimento de opinião pública será capaz de levar o Governo a tomar
medidas para contrariar a situação existente.
Nas atuais condições estamos a pagar para setores que não
sentem a crise; que continuam a cobrar-nos tarifas, ou preços, como se não
existisse crise. Mais uma vez, o Estado e o Governo transformam-se em
instrumentos dóceis do prosseguimento dos interesses dos operadores e, por essa
via, do setor financeiro, português ou não.
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