O discurso à volta das políticas de saúde tem sido dominado, nos últimos tempos, pela ideia de que é necessário que gastemos menos com este sector para que ele seja financeiramente viável.
Sucedem-se medidas destinadas a atingir aquele objectivo, algumas com resultados rápidos, procurando satisfazer metas muito exigentes que foram incluidas no memorando de entendimento ou posteriormente decididas.
Ao nosso SNS, que foi capaz de nos colocar, com custos per capita bem menores do que noutros países, em posição muito favorável quanto a indicadores de saúde, são agora receitadas medidas adicionais por quem não tem competência na matéria (é o caso do FMI), como se fosse dispensável o consenso nacional para uma politica pública de saúde que o governo tem obrigação de executar, e como se as recomendações da União Europeia e da instância mundial especializada (a Organização Mundial de Saúde) entrassem numa moratória.
Ainda recentemente, numa conferência realizada na Escola Nacional de Saúde Pública pela Associação Portuguesa de Economia da Saúde, sobre a crise económica e os sistemas de saúde, um responsável da OMS, Matthew Jowett, chamou a atenção para os riscos das medidas que estão a ser tomadas nesta conjuntura poderem revelar-se gravosas para a saúde das populações.
De entre as suas preocupações, certamente partilhadas por muitos portugueses, destaco a de que já há países em que o princípio da universalidade do sistema de saúde está a ser desrespeitado, com a exclusão do acesso a certas categorias da população. Com a agravante de que isto acontece em situação de recessão económica e desemprego elevado, com impacto na saúde das pessoas, quando deveria ser reforçada a necessidade de manter uma boa rede de apoio, e esta exige uma cobertura universal.
Outra questão por ele colocada é a do risco que envolvem medidas de efeito a curto prazo e fáceis de adoptar, mas cujo impacto a longo prazo não estará a ser levado em consideração.
Em particular, questionou as taxas moderadoras e a dificuldade em distinguir os cuidados de saúde necessários dos que não o são. Os ganhos rápidos de eficiência podem assim revelar-se, a longo prazo, negativos para os sistemas de saúde.
A questão que M, Jowett colocou no final da sua intervenção foi a seguinte: “As decisões de hoje estão a criar a base do futuro sistema de saúde. E será uma boa base?”
Esta mesma interrogação nos preocupa, tanto mais que o cerco ao estado social se torna, de dia para dia, mais ameaçador.
Sem uma estratégia clara definida para o sector da saúde e multiplicando cortes orçamentais violentos, corremos o risco de destruir o que de muito positivo se alcançou em Portugal com o SNS ao longo de décadas.
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