Sobre a situação de esbulho (ver aqui e também aqui) a que
temos vindo a ser sujeitos e em que nos encontramos parece que já tudo foi
dito. Desde há mais de um ano que neste blog
se têm identificado as raízes da crise e mostrado que a austeridade,
acrescentada de austeridade, a outra coisa não conduz que não seja a mais crise
e à necessidade de mais austeridade. São múltiplas as reflexões e declarações,
tanto de políticos, como de académicos, incluindo personalidades da área
política do governo, que conduzem a essa conclusão.
Argumenta-se, também, que essa conclusão decorre do que a
experiência nos tem mostrado. Sendo isso verdade, também é verdade que não
precisávamos de qualquer argumento baseado na experiência para chegar a uma tal
conclusão.
Com efeito, a economia e a sociedade funcionam de acordo com
um conjunto de relações (mecanismos) que, por muito que se queira condicionar, são
em grande medida inevitáveis. Por ex., quando para aumentar as receitas
fiscais, que visam atenuar o deficit das contas públicas, se passa a usar
instrumentos de política fiscal que provocam uma diminuição do poder de compra
de largas massas de população, outra coisa não se pode esperar que não seja a
diminuição do consumo dessa população. O mesmo se poderia referir para o
aumento de desemprego e para o encerramento das empresas. Diminuindo o consumo,
diminuem as vendas, o que entre outras consequências conduz à redução dos
impostos pagos pelas empresas e por aqueles que vêm os seus rendimentos diminuídos.
Assim, o que se pretendia que viesse a curar o deficit veio, afinal agravar a
doença.
O deficit não
diminuiu e para fazer face ao seu crescimento continuado os responsáveis
insistem na mesma receita e aumentam, de novo, a carga fiscal. Os resultados
não poderão, no entanto, ser melhores que os anteriores. Isto é, a austeridade
conduz necessariamente à necessidade de mais austeridade. Não precisávamos da
“experiência” para sabermos que tal ia acontecer. É esta a situação e a
dinâmica a que temos estado submetidos, mas teria sido possível, desde há
muito, antecipar os seus resultados, sem termos que esperar pelos resultados da
experiência.
Voltemos às origens. Recordemos o que já mais do que uma vez
aqui foi dito. Independentemente da existência ou não existência de deficits,
tudo o que estamos a ver acontecer não é mais do que uma monumental operação
que visa (implícita ou explicitamente) permitir aos grandes grupos financeiros
recuperar das perdas acumuladas e que conduziram ao “crash” de 2008. Mas vai-se
mais longe, porque mesmo que as perdas tivessem sido recuperadas a sua sanha de
espoliação não terminaria e não vai terminar aqui.
Ao longo das últimas décadas foram criados mecanismos de
distribuição que conduziram ao que habitualmente se tem designado por “Estado
Social”. O alargamento dos benefícios sociais (saúde, educação, cultura,
prestações sociais) à grande maioria da população não é mais do que um esquema
que permite realizar uma repartição do rendimento, mais equilibrada e mais
justa do que a que é possível obter através do simples funcionamento dos mecanismos
de mercado que, sem mecanismos corretores, conduzem a concentrações crescentes
de riqueza.
Claro que os benefícios sociais têm custos que vão ter que
ser pagos, em grande medida, através de impostos que deverão tender a incidir,
de forma progressiva, sobre os que mais recebem. Eliminar os benefícios
sociais, significa eliminar os custos correspondentes e criar condições para
que a progressividade fiscal diminua ou mesmo seja eliminada. De outra coisa
não se trata do que uma gigantesca operação de transferência de rendimentos dos
que menos têm para os que mais possuem.
O Orçamento do Estado para 2013, que já vimos ter sido
aprovado na generalidade, mais não é do que um imenso e quentinho agasalho para
a acomodação da operação de desvalorização das remunerações dos trabalhadores e
de todos os que não vão buscar os seus rendimentos aos proveitos do capital
financeiro. O desequilíbrio na repartição dos rendimentos não pode cessar de se
aprofundar. Deveremos interrogar-nos sobre se é essa a sociedade em que queremos
viver e doar aos nossos filhos e netos (vide
aqui o documento difundido pelo grupo Economia e Sociedade, sobre este assunto).
É a esta luz que deve ser interpretada a anunciada operação
de “Refundação do programa de ajustamento” pelo senhor Primeiro Ministro. Ele teve
o cuidado de precisar de que se tratava de uma refundação e não de uma
negociação. Convenhamos que, enquanto operação de lançamento de poeira para os
olhos dos que o seguiam, a coisa teve a sua eficácia.
O responsável da oposição deixou-se enredar pelo isco e, no
Parlamento, quando se deveria discutir o orçamento gastou o seu tempo a
discutir a “refundação”.
A verdade é que não se percebe nem os termos, nem o conteúdo
da expressão “Refundação do programa de ajustamento”. Mais tarde ligou este
propósito à necessidade de repensar as funções do Estado mas, aqui chegados,
outra coisa não se pode dizer que não seja que o “gato ficou escondido, mas
deixou o rabo de fora”.
Será que alguém entende que é possível fazer o que quer que
seja no “programa de ajustamento” dispensando a inevitabilidade de negociações?
Existe talvez uma possibilidade, que consiste e não negociar
coisa nenhuma, mas baixar os braços e permitir que através da troika o grande
capital nos imponha tudo o que devemos fazer. E o que devemos fazer, que não se
tenha dúvidas, é caminhar para o suicídio enquanto país soberano.
A esta luz já se compreende melhor o sentido do “repensar as
funções do Estado”. Repensar, não para as aumentar, mas para as diminuir e, se
for necessário, reconduzi-las a um conjunto restrito de funções, correspondentes
às funções de Defesa Nacional, Negócios Estrangeiros, Segurança Interna e
Justiça.
Só não se percebe é porque é que a iniciativa política deve
ser privilégio do responsável do Governo. Então, não poderia o Secretário-geral
do maior partido da oposição convidar o Chefe do Governo para se sentarem a uma
mesa das negociações e analisarem como é que o deficit pode ser superado
reforçando, simultaneamente, as funções sociais do Estado, ou ainda, o Estado
Social? É um propósito que não pode ser considerado uma aberração, para além de
que é possível e é desejável.
Por todas estas razões temos suficientes argumentos para com
muita veemência dizer que é, sempre, preciso “dizer alguma coisa”. Ainda há
muito para dizer e há muitos que precisam de ouvir o que lhes queremos dizer.
É asfixiante sentir o desaparecimento da nossa soberania! Há de facto, muito que explicar, haja assim ouvidos. Gosto da forma ligeira como o Manuel Brandão conta-nos estas coisas.
ResponderEliminarMuito obrigado, Luísa França, pelo seu comentário.
ResponderEliminarVamos lá a ver se conseguimos continuar a respirar e pode ser que um dia destes possamos por a cabeça de fora. Consegui-lo-emos se não nos deixarmos adormecer e enebriar por músicas aparentemente celestiais.
Quanto à "forma ligeira" só espero que não signifique "forma aligeirada" ou "superficial".
A intenção é trazer aqui situações que nos dizem ser complexas (certamente para delas ficarmos arredados) expostas de forma simplese em linguagem que a maioria das pessoas possa entender.
De facto, não me senti bem a dizer de "forma ligeira".
EliminarDesafiada agora, pela reacção do Manuel Brandão, diria melhor "de forma clara e sugestiva". Dá gosto ler estas coisas que por vezes, são muito enfadonhas quando se é pouco conhecedora dos meandros das economias e das finanças.
O desejo de se entender esta crise tem sido uma oportunidade para se ficar menos alienada(o) das complexidades económicas ou financeiras, algo que nos diz respeito na nossa vida, enquanto cidadãos e cidadãs.
Deveria caber aos estados a redistribuição da riqueza, mas mesmo quando há algum crescimento económico localizado (ex: paises emergentes)a diferença entre pobres e ricos continua a aumentar, esta constante acumulação de capital leva mais cedo ou mais tarde à falência do sistema.
ResponderEliminarOs Estados têm de ser mais fortes que as empresas, financeiras, petrolíferas, de mass media, de armamento, de construcção civil... não podem ceder a pressões e corrupção.
Só fortes políticas sociais poderam recuperar o sistema de modo a que o capital volte a circular.
Como reactivar os biliões de divisas nas mãos de alguns magnatas globais, muitos deles desconhecidos do público em geral?
A desvalorização da moeda será suficiente?
A violência resultante do desepero será a única saída?