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09 julho 2012

Quando a maré subir

A crise que atravessamos e as políticas que, para a combater, têm estado a ser adoptadas no mundo desenvolvido, conduziram a uma quase generalizada recessão, com forte agravamento do desemprego, sub-emprego e precariedade do trabalho.

Para alguns analistas trata-se de um problema conjuntural, passível de ser resolvido, bastando aplicar estímulos à retoma da economia. Mas  esta afigura-se uma análise simplificadora, pois não só assume a eficácia de medidas pontuais, tantas vezes descoordenadas, como sobre-avalia o impacto da eventual retoma  económica sobre a criação de emprego.

Por outro lado, se é certo que a crise agravou os problemas do mundo laboral, estes já eram bem evidentes muito antes dela se manifestar em 2008, tornando-se indispensável analisar o que está estruturalmente errado no sistema económico, sobretudo nas últimas três décadas.

Um recente artigo do economista Robert Skidelsky (Labour’s Paradise Lost) oferece pistas de reflexão para uma análise mais aprofundada destas questões.

Partindo da interrogação - como voltar ao pleno emprego no post-recessão? -, Skidelsky convida-nos a revisitar o pensamento de John Maynard Keynes o qual previu que, no futuro, seriamos confrontados com o desemprego devido à descoberta de formas de economizar o uso do trabalho humano a um ritmo superior àquele em que seriamos capazes de descobrir novas aplicações para esse trabalho. Esta seria uma questão diferente do desemprego conjuntural que os governos teriam instrumentos adequados para combater.

Do seu ponto de vista, uma vez que previa estar resolvido, no século XXI, o problema económico da escassez, o desemprego por evolução tecnológica seria, não uma razão de desespero, mas antes de esperança, pois a maior parte das pessoas teria que trabalhar apenas 15 horas semanais para produzir tudo o necessário para a sua subsistência e conforto, para além de que,  sendo o trabalho menos penoso, a esperança de vida seria maior.

Esta previsão de Keynes, como sabemos, falhou: o tempo de trabalho médio é de 40 horas semanais e desde o início da década de 80 não diminuiu; os níveis de  emprego dos anos 50 e 60 não foram atingidos a partir da década de 80 e a perspectiva é de que, vencida a recessão actual, o desemprego atingirá cada vez mais pessoas.

Ou seja, não se converteu o desemprego tecnológico em tempo livre para lazer, perdeu-se a oportunidade do paraíso dos trabalhadores, segundo Skidelsky.

Este economista considera que a principal razão explicativa reside em que a parte de leão nos ganhos de produtividade obtidos nos últimos 30 anos foi apropriada pelos mais afluentes.

Por outro lado, o consumismo a que faz apelo o capitalismo moderno, tornou-se um paliativo que recompensa os horários de trabalho irracionais e que aparece confundido com crescimento económico, mas corresponde, de facto, a loucura no plano moral e politico, e, até certo ponto, no plano  económico.

O resultado deste caminho será uma sociedade dividida entre uma minoria de produtores, profissionais e especuladores financeiros, contraposta  a uma maioria de parasitas e pessoas sem qualificação para serem empregadas.

Uma tal sociedade é questionável do ponto de vista moral e tem implicações na economia: o consumo satisfeito, não pelos rendimentos mas pela via do endividamento, é insustentável e leva ao colapso periódico dos mecanismos geradores de riqueza.

Conclui Skidelsky: A verdade é que não podemos continuar a progredir na automação da produção sem repensar as nossas atitudes face ao consumo, ao trabalho, ao lazer e à distribuição do rendimento. Sem tais esforços de imaginação social, a recuperação da crise actual será apenas o prelúdio de calamidades mais ruinosas no futuro.

Não é esta a herança que queremos deixar aos vindouros.

É pois necessário que estas questões sejam hoje abordadas no debate público, limitado este como tem estado à perspectiva de curto prazo, sem qualquer questionamento do modelo de desenvolvimento subjacente.

O impacto, maior ou menor, da automação da produção sobre o volume de emprego soma-se a um conjunto de factores negativos bem assinalados por Skidelsky e que estão muito enraízados na sociedade actual e vão destruindo  a coesão social.

Se tivermos a lucidez e a coragem de afirmar os valores pelos quais vale a pena lutar e assumirmos uma atitude de inovação social consequente,  podemos esperar que, quando a maré subir, todos os barcos subam com ela e não só os barcos de luxo…

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