Surgiu como uma bomba! Todos acordamos esta manhã com a estrondosa
notícia de que, através de dois dos instrumentos de intervenção financeira da
União Europeia, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira e o Mecanismo Europeu
de Estabilidade Financeira, se estava a preparar o resgate da Espanha e da
Itália, estando para tal disponíveis 750 mil milhões de euros (dez vezes mais
do que o que ficou disponível para Portugal, que foram 78 mil milhões). Vamos
admitir que é verdade e que a notícia se vem a confirmar.
Há quem diga que se trata de uma consequência das pressões
exercidas sobre os dirigentes europeus, na cimeira dos G20, em particular, pelo
Presidente Obama. Seja qual for o cozinhado, a notícia poderá ser uma boa
notícia, mas ainda pairam muitas nuvens sobre o horizonte. “Gato escaldado de
água fria tem medo” !
A notícia tem, aliás um conteúdo confuso. Por um lado, as
notícias dos jornais falam-nos de resgate; por outro indicam que os 750 mil
milhões de euros servirão para comprar dívida dos Estados no mercado secundário
(o mercado onde se compram e vendem títulos que já foram comprados e vendidos
no momento da emissão original).
Convém, por isso, clarificar o que significa uma e outra
coisa.
Quando se fala em resgate de um país está-se, em geral a
referir um país que tendo, em geral, emitido dívida (não necessariamente dívida
pública; vide por ex. o resgate dos
bancos espanhóis recentemente anunciado) se encontra numa situação em que não
pode pagar, nem tem perspetivas de poder vir a pagar, as amortizações e os
juros da dívida emitida. Isto tanto é válido para a dívida pública, como para a
dívida privada.
O raciocínio “simplório” que habitualmente se faz é o
seguinte: se um país não está em condições de pagar a sua dívida e alguém ou
alguma instituição se dispõe a dar-lhe a mão, então é natural que esse alguém
imponha as suas condições para poder emprestar o que é seu. Essas condições
podem traduzir-se, por ex., como aconteceu na Grécia, na Irlanda e em Portugal,
pela negociação de programas de comportamento de austeridade (que outro
significado não têm que não seja o de abdicação de soberania) que os credores
creem ser necessários para poder garantir o retorno do dinheiro emprestado.
Para ajuizarem do razoável dos programas de austeridade ao
resgate, imaginem que a Força Aérea era chamada para fazer um resgate de um náufrago
em pleno Atlântico e que tendo-o encontrado os pilotos, antes de lançar os
cabos de salvação, entendiam que deveriam negociar condições com o náufrago, como por
ex. a promessa de que não voltaria a sair para o mar, o pagamento de umas
almoçaradas logo que recuperado, etc.
Terá que haver austeridade e será que ela garante mesmo o
reembolso do empréstimo? Não tem que haver, como a notícia de hoje o prefigura
e o veremos melhor abaixo. Pode ser que garanta, mas a contrapartida é a
exaustão dos recursos e da capacidade de criar riqueza do país. É ao que estamos a assistir em Portugal,
embora nos digam todos os dias que o futuro será melhor, já que se estão a
tomar as medidas estruturais que permitirão (por obra e graça de um qualquer Belzebu) que o país volte a arrebitar.
Não tenho de modo nenhum essa convicção. No caso português,
em que a dívida e os juros são pagos com base nas receitas que o Estado
consegue arrecadar, não se vê como é que se contraria a tendência decrescente dessa
arrecadação, se quem paga impostos, tem cada vez menor capacidade para os pagar,
ou porque não pode, ou porque a eles não está sujeito. Essa capacidade só
poderia aumentar se se pusesse o país a crescer, mas isso é coisa para que os
responsáveis políticos olham como o fazem algumas mães de um filho indesejado, ao
observar a barriga a crescer.
É verdade que os recursos disponíveis para amortizar a
dívida também aumentam com a diminuição da despesa pública, só que nas
condições atuais do nosso país não se vê onde é que ela possa diminuir e é
muito difícil imaginar que os ganhos de eficiência possam, ainda, vir a ser
significativos.
Não se percebe, aliás, como é que na promoção de uma Europa
que se quer integrada há quem possa pensar que poderão coexistir países
reduzidos à condição de pedintes e países ricos que conseguem a sua riqueza,
também, à custa do empobrecimento dos outros.
O crescimento e, por sua via, o desenvolvimento são, por
isso, condições necessárias para que se possa falar em sustentabilidade da
dívida, a presente e a futura.
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