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01 maio 2012

Esbulho (episódio n.º n+1) - (I)


 Acerca  de esbulho ou do ato de esbulhar dizem os dicionários:
- “Aurélio” - Privar alguém de alguma coisa a que tinha direito;
- “José Pedro Machado” – Desapossar de; desapoderar, despojar, desapropriar. 

O significado dado por ambos os autores, é largamente coincidente, mas de algum modo se pode dizer que o primeiro torna mais explícito o conteúdo do segundo, na medida em que a coisa de que se foi desapossado era algo a que se tinha direito.

Perguntar-se-á: porque é que se vai agora buscar o termo esbulho? Por uma simples razão, não poderão deixar de ser classificados como tal algumas das medidas de política que em Portugal, e não só, têm vindo a ser adotadas pelo Governo com o pretexto do saneamento das finanças públicas, mas que não se traduzem em outra coisa que não seja a transferência de rendimentos dos que menos têm para os que mais têm. Adiante vamos ver porquê.

Neste post pretendo comentar a anunciada criação duma taxa sobre os produtos alimentares, comercializados nas grandes superfícies, a pretexto de financiar iniciativas que visam garantir a segurança alimentar.

Começo por justificar a numeração dos episódios. Antes deste muitos outros episódios tiveram lugar (salários, subsídios de desemprego, despesas de saúde e de educação, pensões de reforma, subsídios de 13º e 14º mês, etc.) que aqui não foram expressamente comentados. Como não vou fazer uma enumeração desses episódios, optei por supor que o conjunto da sua soma poderia ser tomado como sendo igual a “n”, sendo o da taxa sobre os produtos alimentares, o primeiro que se acrescenta aos “n” anteriores.

Merece alguma explicação adicional o que atrás se disse acerca da qualificação de “transferência de rendimentos dos que menos têm para os que mais têm”. Desde o fim da 2ª Guerra Mundial que, pausadamente, mas de forma persistente, se foi construindo o que veio a ficar designado como “Estado Social”. Essa construção teve um objetivo claro: tornar acessível a toda a população o benefício de bens (água, luz) e serviços (saúde, educação, ações culturais), tomados como aquisições do progresso humano e a que não poderia aceder parte da população, com os rendimentos que auferia, mas que por opção política se considerou que deles deveria beneficiar.

Contudo, o fornecimento desses bens e serviços implicava o respetivo financiamento feito pelas diversas administrações públicas, cuja fonte não poderia ser outra que não as receitas do Estado e, nomeadamente, os impostos. Naturalmente que a carga fiscal existente, através do sistema de impostos progressivos, tendia a sobrecarregar mais os que tinham rendimentos mais elevados, no que a esse financiamento diz respeito. Esta era, e é, uma forma indireta de obter uma distribuição dos rendimentos mais equilibrada.

Entretanto, os abundantes capitais existentes no mercado, em busca de aplicações rentáveis, descobriram que, graças às designadas “criatividade” e “inovações” no sistema financeiro, poderiam aí encontrar aplicações com rentabilidades mais elevadas do que nas aplicações tradicionais: economia real e mercado das inovações. Foi aí que, essencialmente, as aplicações se concentraram. A ousadia e o risco assumidos por essas aplicações cresceram de modo exponencial. O resultado é conhecido, nomeadamente, a partir da explosão verificada em 2008.

Se mais nada tivesse acontecido, os que realizaram aquelas aplicações arriscadas teriam sido sujeitos a grandes perdas. Não foi isso o que aconteceu. Este povo da engenharia financeira dorme sempre com um olho aberto e outro fechado e, rapidamente, descobriu que poderia fazer-se ressarcir das perdas ocorridas especulando sobre a dívida dos países que tinham, no mundo da globalização, uma posição política mais frágil. Tal qual animais selvagens, começaram o repasto por países como a Irlanda, a Grécia e Portugal e nisso não se têm saído nada mal. Chegados ao esqueleto vão em busca de outras presas, a Espanha, a Itália, talvez a França, e assim sucessivamente.

Todas estas operações a que temos assistido não são outra coisa que a recomposição dos capitais que tinham sofrido perdas com as anteriores aventuras financeiras. Estamos, de facto, perante uma transferência de rendimentos (ainda que indireta) dos que menos têm para os que mais têm, utilizando para tal a destruição do Estado Social. O que demorou 50 ou 60 anos a construir pode desaparecer em muito menos de uma década!

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