“Precariedade faz com que jovens sejam os menos solidários com os pobres”.
Foi este o título em destaque com que no jornal Público (5/02/2012) se apresentava, numa boa síntese, um estudo do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa relativo às atitudes dos portugueses sobre as desigualdades. Embora tenha passado já mais de 1 mês sobre essa referência, a recente Semana Nacional da Cáritas (com o lema “Edificar o Bem Comum: uma tarefa de todos e de cada um”) e a consequente atenção aos problemas da pobreza, justificam chamar a atenção para esse estudo do ICS, que tem por base um inquérito de 2011 efectuado no quadro do “Barómetro da Qualidade da Democracia”. O estudo tem o título “Direitos Iguais, Vidas Desiguais” e é da autoria dos investigadores Filipe Carreira da Silva, Mónica Brito Vieira e Susana Cabaço.
Não vou repetir o trabalho de síntese feito pela jornalista Clara Viana. Apenas pretendo retomar a questão que o título da peça jornalística enfatiza: consequências que a precariedade terá sobre as atitudes de preocupação dos jovens para com os pobres ou, por outras palavras, consequências sobre a empatia.
É certo que os autores do estudo do ICS não são tão peremptórios como o título do jornal parece dar a entender. Pois dizem textualmente (pag.17): “Se são os mais jovens que menos peso atribuem às dificuldades dos mais pobres, talvez (sublinhado meu) a sua atitude esteja parcialmente explicada pelo seu autoposicionamento subjectivo na classe média, pela forte incidência do desemprego jovem, pela precarização do trabalho, e pela apreensão quanto ao seu próprio futuro, designadamente em termos da existência das prestações sociais que hoje assistem à classe média e aos mais pobres”. Também é de assinalar que este estudo não reflecte uma atitude de indiferença da população portuguesa para com os mais pobres, antes pelo contrário, pois 82% dos inquiridos concordam com a afirmação “as pessoas mais pobres estão a viver tempos muito difíceis, porque não têm acesso às recompensas dos ricos e são pouco apoiadas socialmente”. Apesar do prudente “talvez” (pois o estudo não parece correlacionar precariedade e atitudes face às desigualdades), é natural que quanto mais inseguros e sujeitos a situações de precariedade de trabalho mais os jovens tendam a ter atitudes de “cada um por si” e a reduzir a empatia e a atenção ao outro. Mas, apesar de integrarem a minoria (não se esqueça que são 82% os portugueses que se preocupam…), o que é preocupante como tendência é que os jovens, sejam os que menos se interessam pelos problemas dos mais pobres.
A relação da precariedade de trabalho e de vida com a não preocupação com os mais pobres mostra como políticas de emprego podem corroer valores de coesão social. Os valores, nomeadamente os valores altruístas que desenvolvem comportamentos de empatia e de atenção e cuidado para com o outro, são efectivamente estruturantes da convivência social, não só ao nível dos comportamentos de proximidade como ao nível das percepções ou desejos de organização da sociedade. Mas os valores são frágeis, não estão dados “para todo o sempre”. O deixar de se preocupar com os mais pobres dificultará a prática da caridade, a todos os níveis de “atenção ao outro”, ou seja de agir e pensar que “edificar o bem comum é tarefa de todos e de cada um”. A precariedade de trabalho e de vida pode contribuir para a “A corrosão do carácter” pois faz parte das “consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo”, o que equivale a erosão dos valores. Entre aspas estão o título e subtítulo do livro – de 1998 – do sociólogo americano, Richard Sennett, que o termina com esta frase que devia dar muito que pensar: ”…um regime que não dá aos seres humanos razões profundas para cuidarem uns dos outros não pode manter por muito tempo a sua legitimidade”.
escrevi eu nessa altura no meu blogue:
ResponderEliminarTitula o jornal "Público" hoje: "Jovens são os que menos se preocupam com as dificuldades dos pobres".
Primeiro disseram que Deus não existia.
Depois, que os valores ligados à família também não existiam.
Só o individuo existia.
Os pobres, portanto, também deixaram de existir.