Já lá vão 7 duros meses após a assinatura dos memorandos de entendimento com a Troica (ver aqui e aqui). O tempo tem custado a passar e, por isso, os meses decorridos parecem muitos mais que os 7 meses reais (ver este post de Manuela Silva). Recordo-me de que quando foi disponibilizado o acesso aos respetivos textos procurei lê-los com atenção. As surpresas foram muitas, mas o facto de me ter confrontado com um enunciado de medidas de compromisso com um grau de detalhe, muito levado, que não seria de esperar que fosse conhecido por parte de quem vem de fora, não foi a menor surpresa.
Para o ilustrar vejamos, apenas, dois exemplos.
No âmbito da Administração Fiscal e de Segurança Social previa-se que até Outubro de 2011, seriam adotadas reformas abrangentes, incluindo as seguintes (vide aqui, pág. 14):
i. estabelecimento de secções especializadas no âmbito dos tribunais fiscais, direcionados para o julgamento de casos de maior dimensão com a assistência de pessoal técnico especializado;
ii. redução do número de serviços locais em, pelo menos, 20% por ano em 2012 e 2013;
iii. aumentar os recursos destinados à inspeção na administração fiscal em pelo menos 30% do total dos respetivos trabalhadores, maioritariamente através de realocação interna de trabalhadores da administração fiscal e de outros serviços da administração pública.
Relativamente ao financiamento do sistema de Saúde ficou previsto rever e aumentar as taxas moderadoras do SNS através de (vide aqui, pág. 17):
i. uma revisão substancial das categorias de isenção atuais, incluindo uma aplicação mais rígida da condição de recursos, em colaboração com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social;
ii. aumento das taxas moderadoras em determinados serviços, assegurando que as taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários são menores do que as aplicáveis a consultas de especialidade e episódios de urgência;
iii. legislar a indexação automática das taxas moderadoras do SNS à inflação.
A minha desconfiança era a de que a fixação deste grau de pormenor só teria sido possível se, cá dentro, a Troica tivesse encontrado alguém que lhe abrisse as portas dos armários. No entanto, essa desconfiança, ficou-se por aqui, já que não possuía outros elementos objetivos para poder ir mais além.
Eis senão quando, há uns dias, me confrontei, no blog "Elemento Absorvente" com um texto de de Alcides Santos, intitulado "Estamos a disparar ao lado" e que me parece interessante reproduzir:
A leitura do Memorando de Entendimento entre a Islândia e o FMI (ver aqui, assim como os documentos associados) causou-me estranheza. Trata-se simplesmente de um plano que descreve como se pretende devolver o dinheiro emprestado. Não há qualquer intervenção na segurança social, na saúde pública, no sistema de ensino, na obrigação de despedimentos em qualquer sector ou obrigação em venda de empresas do estado. Continuou a existir estado de bem-estar. Não se obriga nenhuma transformação radical da sociedade. No caso da Islândia, o FMI limitou-se a comportar-se como aquilo que é: um banco.
Parece ficar claro que o conteúdo do memorando depende daquilo que o governo em questão pretende fazer, mas não tem coragem para isso. Ou seja, quem da parte do governo português negociou o acordo pretendeu fazer uma transformação estrutural da sociedade portuguesa e culpar outros, que se limitam à sua condição de fornecedores. Por isso, a negociação foi secreta e depois de acordada deixa de ser questionada. E entende-se porque razão a troika se limita a exigir o contratualizado. Afinal, a sua missão é que o dinheiro seja devolvido.
Ficará a dúvida se a Tróica tem o mesmo comportamento que o FMI, e nesse caso se não poderíamos ter feito o empréstimo só com o FMI.
Mas do que não fica qualquer dúvida é que estar a culpar a Troica é exatamente aquilo que quem assinou o acordo e quem está agora no governo quer que nós façamos. E nós, obedientemente, fazemos-lhes a vontade.
Por favor, corrijam-me se estou errado.
Ou dito de outra maneira: a vinda da Troica até foi desejada, porque permitiu que se avançasse para medidas de política que cá dentro muitos desejavam, mas que não tinham coragem de revelar e assumir, por sua iniciativa.
Assim, quando alguma objeção é colocada, pode-se argumentar e tem-se argumentado que a culpa é da Troica e de que não podemos violar os compromissos assumidos.
Só que em matéria de compromissos não violados poucos serão os dias em que não há um que o não seja.
Para o ilustrar vejamos, apenas, dois exemplos.
No âmbito da Administração Fiscal e de Segurança Social previa-se que até Outubro de 2011, seriam adotadas reformas abrangentes, incluindo as seguintes (vide aqui, pág. 14):
i. estabelecimento de secções especializadas no âmbito dos tribunais fiscais, direcionados para o julgamento de casos de maior dimensão com a assistência de pessoal técnico especializado;
ii. redução do número de serviços locais em, pelo menos, 20% por ano em 2012 e 2013;
iii. aumentar os recursos destinados à inspeção na administração fiscal em pelo menos 30% do total dos respetivos trabalhadores, maioritariamente através de realocação interna de trabalhadores da administração fiscal e de outros serviços da administração pública.
Relativamente ao financiamento do sistema de Saúde ficou previsto rever e aumentar as taxas moderadoras do SNS através de (vide aqui, pág. 17):
i. uma revisão substancial das categorias de isenção atuais, incluindo uma aplicação mais rígida da condição de recursos, em colaboração com o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social;
ii. aumento das taxas moderadoras em determinados serviços, assegurando que as taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários são menores do que as aplicáveis a consultas de especialidade e episódios de urgência;
iii. legislar a indexação automática das taxas moderadoras do SNS à inflação.
A minha desconfiança era a de que a fixação deste grau de pormenor só teria sido possível se, cá dentro, a Troica tivesse encontrado alguém que lhe abrisse as portas dos armários. No entanto, essa desconfiança, ficou-se por aqui, já que não possuía outros elementos objetivos para poder ir mais além.
Eis senão quando, há uns dias, me confrontei, no blog "Elemento Absorvente" com um texto de de Alcides Santos, intitulado "Estamos a disparar ao lado" e que me parece interessante reproduzir:
A leitura do Memorando de Entendimento entre a Islândia e o FMI (ver aqui, assim como os documentos associados) causou-me estranheza. Trata-se simplesmente de um plano que descreve como se pretende devolver o dinheiro emprestado. Não há qualquer intervenção na segurança social, na saúde pública, no sistema de ensino, na obrigação de despedimentos em qualquer sector ou obrigação em venda de empresas do estado. Continuou a existir estado de bem-estar. Não se obriga nenhuma transformação radical da sociedade. No caso da Islândia, o FMI limitou-se a comportar-se como aquilo que é: um banco.
Parece ficar claro que o conteúdo do memorando depende daquilo que o governo em questão pretende fazer, mas não tem coragem para isso. Ou seja, quem da parte do governo português negociou o acordo pretendeu fazer uma transformação estrutural da sociedade portuguesa e culpar outros, que se limitam à sua condição de fornecedores. Por isso, a negociação foi secreta e depois de acordada deixa de ser questionada. E entende-se porque razão a troika se limita a exigir o contratualizado. Afinal, a sua missão é que o dinheiro seja devolvido.
Ficará a dúvida se a Tróica tem o mesmo comportamento que o FMI, e nesse caso se não poderíamos ter feito o empréstimo só com o FMI.
Mas do que não fica qualquer dúvida é que estar a culpar a Troica é exatamente aquilo que quem assinou o acordo e quem está agora no governo quer que nós façamos. E nós, obedientemente, fazemos-lhes a vontade.
Por favor, corrijam-me se estou errado.
Ou dito de outra maneira: a vinda da Troica até foi desejada, porque permitiu que se avançasse para medidas de política que cá dentro muitos desejavam, mas que não tinham coragem de revelar e assumir, por sua iniciativa.
Assim, quando alguma objeção é colocada, pode-se argumentar e tem-se argumentado que a culpa é da Troica e de que não podemos violar os compromissos assumidos.
Só que em matéria de compromissos não violados poucos serão os dias em que não há um que o não seja.
Então...
ResponderEliminarSerá caso para não dar valor aos "gritinhos" dos "virgens ofendidos" que assinaram o acordo, nem acreditar nas "palavrinhas suaves e lentas" dos que vieram executar "a coisa".
Muitos "opinion makers" ajudam quanto podem na atribuição de "culpas" ao "inimigo troikeiro" e muitos jornalistas andam babados a fazer eco querendo convencer-nos com todo o empenho de que "não há alternativa"...
Que brincadeira é esta?
Pois é!
ResponderEliminarEu acho que esta brincadeira vai trazer muitos maus resultados.
Muito do que eu e outros escreveram em posts e não só, de há 6 ou 7 meses, sobre o que viria a acontecer era, então, considerado como exagerado, extremista, impensável, etc.
Hoje os factos estão aí para demonstrar que o que alguns iam afirmando, há uns meses atrás, afinal, se está concretizando.
E, porventura, a menor das surpresas não é o facto de que muitos dos que utilizavam os qualificativos acima referidos repetem, hoje, o que antes dizíamos.
Melhor seria que tentassem compreender o que poderá vir a acontecer no futuro, se se mantiverem as orientações de políticas que vêm sendo tomadas.