Para tornar a abordagem mais compreensível, deixem que vos conte uma pequena história. No Verão, as boas famílias da cidade (os senhores do poder, ou candidatos ao poder) costumam vir passar férias ao campo. Depois de regressarem, algumas por terem gostado do ambiente voltam para passar um fim-de-semana.
Durante as férias, uma das famílias (não participava dos jogos da governação) observava, da sua piscina, os fogos (agências de rating) que, com frequência, apareciam nos montes à volta. Ficavam estupefactos e comentavam a incúria dos proprietários desleixados (outras famílias com interesses no governo em funções) que não limpavam as matas, nem criavam aceiros que ajudassem a evitar e a combater o flagelo. Criticavam, ainda, a pobre gente (o povo trabalhador) que vivia nas encostas e que tinha que fugir do fogo (das agências de rating). Diziam que a culpa era dela, porque não trabalhava o suficiente para poder ter rendimentos que lhes permitisse fazer a casa em local menos perigoso.
Voltaram para o fim-de-semana (entretanto tinham passado a ser governo) e as coisas na serra estavam mais calmas. Pensaram que podiam dormir descansados (o novo governo graças às medidas de rigor adoptadas teria conseguido acalmar os mercados financeiros), porque o tempo estava mais fresco.
Eis senão quando menos se esperava, o fogo voltou a reacender-se com o mesmo vigor ou ainda maior do que antes (as agências baixaram a notação de Portugal em 4 pontos) obrigando os senhores a levantar-se em sobressalto com as labaredas a lamber, já, a madeira da porta principal. Como é que tal coisa era possível, logo a eles que tinham tomado todas as precauções?
A resposta ainda está para vir e demorará tanto mais tempo, quanto mais se insistir em não compreender as verdadeiras raízes do problema. Tanto no caso da floresta (ver a este propósito o texto do Prof. Américo Mendes), como no do acesso aos mercados financeiros, a questão é complexa, mas ainda é mais complexa se nos recusarmos a ver as suas razões, com lucidez.
Deixo agora as questões da floresta para voltar às dos mercados financeiros.
Será que se pode falar de mercados financeiros, no plural? Não, e é um completo absurdo. A movimentação de capitais faz-se, hoje, a nível planetário, podendo considerar-se que no conjunto dos mercados é o único globalizado. Por isso, não há vários mercados de capitais, há sim um único mercado. Os detentores de capitais possuem aí uma posição monopolista, pelo que se os deixarem impõem as condições que melhor entendem, de modo a assegurar o seu maior retorno. Esta facilidade é, ainda, potenciada pela circunstância de os outros mercados (mão de obra, matérias primas, tecnologias, investimento, etc) serem mercados territorialmente limitados tornando-se-lhes, assim, subordinados. Os mercados não são, por isso, mercados livres.
Algo pode ser feito para que isso não aconteça? Alguma coisa, mas pouco. O que poderia ser feito era regular os mercados, o que teria pouca eficácia. Com efeito, sendo o mercado financeiro, global e sabendo-se que quem o pode regular são governos nacionais, a medida só teria eficácia se:
- Os governos se entendessem para adoptar medidas de regulação compatíveis;
- Se todos os governos estivessem interessados em que a regulação se fizesse.
Como se tem visto, nem uma, nem outra coisa, se tem verificado, nomeadamente, porque os governos mais decisivos na tomada de decisões são, também, os que têm interesse em que a regulação não se faça. A razão é que são também eles beneficiários do retorno que os seus investimentos em dívida lhes trazem. Quanto mais elevada for a taxa de juro associada à dívida, maior será aquele retorno, para os Estados e para os seus nacionais, cujos interesses é pressuposto protegerem.
Onde, estão, as agências de rating no meio disto tudo? Andam por perto. São apresentadas como avaliadoras do risco das aplicações financeiras, mas resta saber se o fazem de forma isenta. Todos temos sentido que não.
As agências são intermediárias financeiras entre quem fornece capital e quem recebe as aplicações (são esses os seus clientes). Só que, estando alguns países (os que emitem dívida) do lado mais fraco, a tendência natural das agências é beneficiar quem está do lado mais forte. Quanto maior for a taxa de juro que conseguirem gerar melhor será o serviço que prestarão a esses clientes.
Que fazer? A primeira coisa a fazer é começar a trilhar caminhos que nos tornem, pouco a pouco, independentes desses mercados. Depois, há que procurar solidariedades junto dos países que estão ou podem vir a estar em situação semelhante à nossa, com vista o forçar a adopção de políticas diversas por parte das instâncias internacionais de governo. Daí o ridículo em se insistir que a nossa situação é diferente da da Grécia. Até o poderia ser, à partida, mas rapidamente, as agências se encarregarão de a tornar semelhante. Finalmente, não esquecer que a movimentação de cidadãos conscientes dos verdadeiros problemas e do que há que fazer encerra em si, sempre, a verdadeira chave das transformações que importa fazer.
Algo se tem falado sobre a criação de uma agência europeia de rating. Não creio que tenha muita eficácia, porque sendo os mercados financeiros, globais, rapidamente se encarregariam de a engolir.
Questão importante, também, é a da financeirização da economia e dos seus malefícios. É tema a que não é estranha a questão que acabo de abordar, mas que merece um tratamento, autónomo num outro post.
Concordo quase na totalidade com a análise que faz. Só me custa crer que as análises das raters são enviesadas pelos interesses capitalistas a um ponto que afete fatalmente a sua credibilidade. Na realidade todos sabemos que, a menos que a UE faça o que deve ser feito, não teremos possibilidade de pagar a nossa dívida nas atuais condições do mercado. A análise feita pela Moody's pode não ser tão benevolente quanto a das outras raters mas, se a UE nada fizer, vamos a ver se estas não a seguem...
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