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01 maio 2011

Liberdade de escolha na saúde?

Na generalidade dos países tem-se constatado um crescente peso do sector da saúde no PIB ao mesmo tempo que a despesa em cuidados de saúde, tanto pública como privada, vai aumentando.

As razões para tal são múltiplas, sendo comum referir-se o envelhecimento da população e a natureza das inovações tecnológicas.

É também frequente que ao apontar estas duas razões se tenda a tomar como um dado exógeno o seu impacto negativo, quando é certo que algumas inovações tecnológicas podem actuar no sentido da redução de custos e, por outro lado, é inteiramente compatível com a ética médica dosear a intensidade de cuidados e o uso de alta tecnologia em determinadas situações de doença. Ou seja: existem de facto escolhas possíveis na gestão dos recursos públicos, dependendo de uma correcta ponderação de custos e benefícios de alternativas.

Mas estas escolhas não se confundem com a apologia da liberdade de escolha por parte dos doentes, sendo certo que a quase totalidade dos recursos dedicados à saúde são requeridos, não por eles, mas sim pelos médicos actuando como seus agentes.

Não surpreende que a suposta vantagem da liberdade de escolha seja apresentada pelos que defendem um reduzido papel para a prestação pública dos cuidados de saúde. Sendo uma ideia, à primeira vista, capaz de seduzir muita gente (quem não preza a sua liberdade?) ela não resiste a análises feitas com seriedade.

Num recente artigo a que deu o título “ Patients Are Not Consumers”, publicado no The New York Times de 21 de Abril, o economista Paul Krugman  expõe com clareza as razões pelas quais são erradas as ideias defendidas pelos republicanos a propósito das propostas de um Comité Consultivo para controlar os custos dos cuidados médicos prestados à população mais idosa ao abrigo do programa Medicare. Pretendem os Republicanos que os “ programas de cuidados de saúde governamentais correspondam mais à escolha dos consumidores”.

Krugman começa por denunciar o erro de assimilar a procura de cuidados médicos a uma simples transacção comercial que em nada seria distinta da compra de um automóvel. E interroga-se sobre como é que se pode ter tornado normal, ou sequer aceitável, a referência aos doentes como “consumidores” quando a relação entre doente e médico costumava ser tida como muito especial, quase sagrada.

Entrando depois nos aspectos concretos da posição republicana, é chamada a atenção para o risco de vir a ser aceite cobrir com recursos do orçamento do Estado toda e qualquer prescrição médica, a partir de um cheque em branco combinado com um sistema que incentiva financeiramente médicos e hospitais a embarcarem em cuidados excessivos. Acresce que o sistema de “voucher” para ser utilizado à vontade do “consumidor” coloca a escolha nas mãos das pessoas idosas e nas companhias de seguros, o que na prática já provou conduzir a maiores custos sem ter havido melhoria de qualidade.

Na medicina, salienta o autor, as decisões são de facto cruciais, questões de vida ou de morte, tantas vezes quando a pessoa doente pode estar incapacitada, em grande estado de stress, ou sem tempo para fazer comparações com cuidados alternativos. São decisões que, para serem feitas de forma inteligente, exigem muitos conhecimentos especializados.

É por estes condicionalismos que Paul Krugman sublinha a importância da ética médica e de elevados padrões profissionais.

E conclui assim: “ a ideia de que tudo isto possa ser reduzido a dinheiro – que os médicos sejam apenas “fornecedores” de cuidados médicos que vendem serviços a “consumidores” de cuidados médicos – causa náuseas. E a prevalência desta espécie de linguagem é um sinal de que algo correu muito mal, não apenas com este debate, mas com os valores da nossa sociedade”.

1 comentário:

  1. É realmente assim na saúde, os doentes não podem ser considerados clientes, "modernice" muito em voga cá no burgo há 15 anos.Mas a racionalização da utilização de meios tecnológicos que são muito caros e cuja vida útil (por substituição)é curta, deveria levar a que os meios instalados fossem administrados com uma ampla visão global.
    Há muitos exemplos que poderia dar, mas deixo este. A mãe de um meu amigo necessita de uma operação.No hospital de Lisboa tem que esperar 6 meses, num hospital do Alto Minho tem que esperar 3 dias e no centro do país um mês. Já agora, esta informação levou um mês a ser dada.
    Se a utilização das instalações, equipamentos, compras, recursos humanos, medicamentos, fosse objecto de uma gestão cuidadosa e sabedora os custos no SNS podiam descer até 30%.Andei por lá 5 anos sei o que vi!

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