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14 março 2011

Não os irritem, senão eles mordem!

Mas mordem mesmo? Pergunta um.

Claro que mordem, responde um outro.

E há um terceiro que diz: pois mordem, mas não é por os irritarem; mordem, porque lhes está na raça.

E volta o primeiro: mas se mordem porque lhes está na raça, é preciso pôr-lhes um açaimo, se não podemos ficar muito mal tratados.

Parece uma conversa acerca de rottweilers, mas não é, é acerca dos mercados financeiros. Todos conhecemos os estragos que têm provocado nos que a eles recorrem. É, por isso, compreensível que haja quem critique o seu comportamento, mas há também quem ache que, quanto mais criticamos, mais mal eles nos trarão.

Esta última posição é de difícil entendimento, porque se os mercados financeiros mordem não é porque lhes chamamos nomes feios, mas porque lhes está na raça, isto é, na sua natureza. E, se não lhes pudemos mudar a natureza para que se portem bem, podemos colocar-lhes o açaimo, ou seja, podemos regulá-los, já que precisamos deles. Sendo certo que não os podemos fazer desaparecer, isso não significa que os deixemos funcionar à rédea solta.

Está, assim, colocada a questão de saber em que é que nos devemos fundamentar para que a regulação seja feita em benefício de todos.

Comecei por falar dos mercados financeiros, mas a verdade é que para que a economia funcione não basta a existência de mercados financeiros. Muitos outros têm que funcionar e bem: o mercado do trabalho; o mercado dos recursos naturais; o mercado dos bens, o mercado dos serviços, etc. E têm que funcionar em simultâneo, produzindo bem-estar, para o que é necessário que o façam de forma coordenada, isto é, tão próximo do equilíbrio quanto possível.
Se assim não for, haverá uns que funcionam às costas dos outros, por ex., o mercado financeiro à custa do mercado do trabalho; o mercado dos bens produzidos pelos países mais avançados, explorando o mercado das matérias-primas dos países do terceiro mundo e por aí fora.

Para que funcionem adequadamente é preciso que os mercados sejam regulados. Só que, enquanto houver quem ganhe com a desregulação, não deixará de haver quem diga que se os deixarmos funcionar livremente eles tenderão a obter o equilíbrio global e que qualquer intervenção externa provocará mais desorientação do que incentivos para que se caminhe na direcção certa. O que estes senhores não dizem é quando o equilíbrio será obtido.

Acontece que, mesmo que se reconheça que a regulação é necessária, nem por isso essa convicção nos diz como é que a regulação deve ser feita. Também não é isso que vai, agora, aqui ser feito. Estaremos, no entanto, mais perto do fazer, se tivermos compreendido o seu “porquê”.

Comecei por abordar o funcionamento dos mercados financeiros. Voltemos a eles. Os mercados financeiros são, hoje, mercados globalizados, o que quer dizer que o seu comportamento não está condicionado por quaisquer decisões ou limitações físicas territoriais, que não sejam as do mundo considerado como um todo. Não me vou ocupar de descrever como é que se chegou aqui, mas isso não impede que se constate que, se todos os mercados funcionam de forma interdependente, para que haja equilíbrio, a globalização dos mercados financeiros não pode realizar-se, por ex., à custa do mercado do trabalho (dos mecados do trabalho), cuja territorialização não permite uma tão fácil globalização.

E quais são, então, os malefícios que os mercados financeiros podem provocar, ou seja, porque é que está na sua natureza morderem? O mercado global, em que se inserem, faz com que a oferta de financiamentos se comporte como uma ave de rapina que paira a grande altura e que desce a grande velocidade sobre a presa, quando tal se torna oportuno. As presas são os países que se colocam em situação de necessitarem de financiamento.

Ora, a estrutura dos mercados financeiros não é uma estrutura de concorrência. Assim, como os que necessitam de financiamento não possuem muitas alternativas por onde escolher, o mais natural é que os que emprestam se tendam a cartelizar (deixam de concorrer entre eles), com vista a poderem obter as maiores remunerações para o capital emprestado. E conseguem-no, tanto mais facilmente, quanto maior é a fragilidade dos que colocam a dívida nesses mercados. Não é, por isso, surpreendente que se tenha dito e continue a dizer, a propósito de colocação de dívida no mercado, que as taxas de juro subiram, mas a procura ainda foi superior à oferta. Não se percebe é qual é a satisfação que daí pode ser retirada!

Já não cabe aqui, mas seria interessante perceber, ainda, quem é que está por trás da oferta, isto é, quem são os famosos especuladores.

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