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10 dezembro 2010

Os salários, i. e., os trabalhadores, vão ter que voltar a pagar os "fiados"?

Não, não têm.

No entanto, tanto a grande maioria dos média, como o mainstream da política não deixam de nos querer convencer que esse é o caminho inevitável.

E qual é o argumento? A competitividade, pois claro.

Mas terá isto algum sentido? Poderá ter um bocadinho, mas muito pequenino.

Vejamos melhor as coisas. Diz a boa teoria que um bem ou serviço é mais competitivo quando, perante os concorrentes, satisfaz melhor as preferências dos consumidores, ou porque é mais barato, ou porque é diferenciado, ou porque é um substituto mais apreciado. É pouco mais ou menos o que acontece com os países. Os países são competitivos se os bens e serviços que produz também o forem.

E que têm os salários a ver com isto? Os salários são uma das componentes da formação dos preços dos produtos, mas apenas uma. Além deles, há que ter em conta, a capacidade de organização, a inovação tecnológica, o marketing, os lucros, os preços das matérias-primas e dos produtos intermédios, etc.

Então, se é assim, porque é que quando se quer aumentar a competitividade se há-de pensar logo em baixar os salários e não em apelar, também, à contribuição das outras componentes? Há o argumento da flexibilidade, i. e., pensa-se que é mais fácil moldar o comportamento dos salários do que o das outras componentes a que se atribui um estatuto de comportamento de maior rigidez, pelo menos no curto prazo. Mas isso só é verdade porque há o pressuposto ideológico de que tem que ser assim.

Se adoptarmos o pressuposto (se quiserem chamem-lhe, também, ideológico) de que o salário é a remuneração justa do trabalho prestado e de que é pelo trabalho que melhor se realiza a dignificação da pessoa humana (valor que deveria ser o último a ser violado), então o salários passam a ser o factor mais rígido e todos os outros factores lhe deverão estar subordinados. Isto é, o valor dos salários deve ser o último a ser alterado e, se tiver que o ser, seja-o, apenas, na proporção do seu peso na explicação da formação dos preços (naturalmente que não estou a ter em conta os argumentos relacionados com níveis de apropriação no passado).

Não poucas vezes se apresenta como razão o facto de estarmos inseridos numa zona monetária única e de não podermos desvalorizar a moeda para ajustar a taxa de câmbio ao nível da competitividade real. Também este é um falso argumento enquanto justificação da diminuição do nível de salários.

Com efeito, quando se desvaloriza, os bens e serviços exportados tornam-se relativamente mais baratos e os importados têm comportamento inverso. Só que os bens e serviços que ficam mais caros vão ter repercussões, não apenas sobre o nível de rendimentos do trabalho, mas também de todos os outros factores. Não estou a ter em conta o facto de os bens e serviços mais caros poderem ter maior ou menos impacto sobre o consumo de uns factores do que de outros, mas isso não altera a substância do raciocínio.

Fomos esta semana alertados para o anúncio de uma política salarial que teria como contornos o ajustamento dos salários aos níveis de produtividade. Independentemente de todos reconhecermos que esta medida é preferível à dos despedimentos, são múltiplas as perguntas que se colocam:
1. Porque é que se faz o ajustamento dos salários à produtividade e não se faz a dos outros factores de produção à sua produtividade (por ex. a do factor organização)?
2. Como é que em termos operacionais se poderia fazer esse ajustamento? Parte-se de um determinado valor absoluto e faz-se o ajustamento em função da evolução da produtividade ou são os níveis absolutos de produtividade que devem ser tidos em conta?
3. O ajustamento só se faz quando á evolução da produtividade é positiva, ou também quando é negativa?
4. O compromisso que vier a ser adoptado vale para quanto tempo?

O que fica dito leva-me a pensar que o “merceeiro” está a querer fazer pagar os “fiados” por quem menos comprou a fiado.

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