“Citroën contrata ex-operários a ganhar menos do que auferiam”.
Era este o título da página 21 do Público de ontem (2/11/2010) contendo uma desenvolvida notícia sobre a contratação de 300 novos operários pela PSA Peugeot Citroën de Mangualde para um terceiro turno (nocturno) para responder ao aumento de encomendas.
“Entre os 300 novos operários contratados, cerca de uma centena são ex-trabalhadores da PSA que, em 2009, foram atingidos pela vaga de despedimentos” (mais de 500, segundo a reportagem).
Mais à frente, referem-se palavras de um membro da Comissão de Trabalhadores, segundo o qual, a tal centena de “ex” “são trabalhadores especializados, que tinham um vínculo com a empresa, com vencimentos entre os 700 e os 800 euros e que agora regressam a ganhar metade”. Li e pensei de imediato: o mesmo trabalho a valer metade? E continuei a perguntar: e os carros (de modelos iguais ou semelhantes) valerão agora metade? O tão falado “valor acrescentado” é agora “valor diminuído”?
Mesmo que a remuneração anterior (a tal dos 700 ou 800 euros e que, certamente é a mesma dos que escaparam à ”vaga de despedimentos”) fosse justa como participação no “valor acrescentado” (e duvido muito que o seja quer neste caso quer na esmagadora maioria das empresas…), com que fundamento agora, 1 ano depois, para o mesmo tipo de funções se estipula remuneração equivalente a metade? E o princípio de “para trabalho, igual salário igual” deixou de ser válido? As funções dos novos admitidos serão certamente muito semelhantes não só às anteriores como às actuais da linha de produção. E são remuneradas por metade?!
Abstenho-me de comentar o montante, pois segundo o mesmo membro da CT, estes operários, contratados por seis meses, passam a usufruir de um vencimento-base de 440 euros, ao qual somam 25 por cento de subsídio de turno, mas feitos os descontos, relativos à segurança social e IRS, “muitos não chegam a levar o ordenado mínimo para casa”. Aproveito para sugerir uma leitura da entrevista de Alfredo Bruto da Costa à última edição da revista Visão.
Antes das assinaturas dos contratos, houve reuniões entre a CT, a ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) e a administração. Não deixo de perguntar: e que fez/faz a ACT neste processo quanto ao tal princípio “a trabalho igual, salário igual”? Provavelmente os inspectores da ACT não dispõem de regras para “avaliar funções” ou, pelo menos, para “comparar funções”: as dos que (re)entram e as dos que já lá estão…A burocracia tem destes buracos…
Neste caso e noutros semelhantes, não se trata, a meu ver, de “racionalidade económica”. Do que se trata é da lógica da lei do mais forte. Deixar apenas à relação de forças dentro das “relações laborais” e aos pretensos mecanismos do “mercado de trabalho” os critérios ou a razão para estipular a remuneração do trabalho leva a situações como esta. Multiplicam-se os casos de prepotência e chantagem, jogando com a necessidade de emprego (isto é, em muitos casos, com a necessidade do “pão para a boca”, mesmo que esta expressão pareça demagogia…). E isto é acompanhado pelo coro dos que exigem ainda maior “flexibilidade laboral”!.
Perante estas situações como perante a de tantos trabalhadores que, mesmo com salário, não conseguem sair da pobreza, perante os mais de 600000 desempregados, perante os cerca de milhão de precários, etc. exprime-se o receio de explosão social. É cada vez mais urgente que cidadãos informados ajudem a pôr a claro a lógica, os interesses e as forças que estão na raiz de situações que de racionalidade económica têm muito pouco ou mesmo nada. E isso será um contributo para democratizar a economia.
Promover o trabalho digno implica também fazer com que o trabalho não seja quase sempre ou sistematicamente (porque é de sistema que se trata!) o “valor diminuído”.
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