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07 novembro 2010

De que falamos quando falamos de pobreza?

Ao apresentar vários indicadores de pobreza, as estatísticas publicadas recentemente pelo INE permitem voltar a debater a questão de se saber o que se deve entender por pobreza e qual a melhor forma de a medir.

Ainda que não venha a ser possível, no curto prazo, desenvolver um indicador sintético, a elaboração de mais do que um indicador de pobreza vem colmatar algumas das limitações geralmente sentidas, quando se pretende conhecer e lutar contra a pobreza. De facto, importa não nos restringirmos ao conceito de pobreza monetária, que é o mais utilizado e tem sido o mais divulgado, através da utilização da taxa de risco de pobreza, associada aos indicadores da intensidade e da severidade da pobreza. Neste sentido, a construção de um indicador da privação material permite completar a informação, ao pretender cobrir necessidades humanas fundamentais. São passos no sentido de se ir ao encontro do conceito de pobreza como violação dos direitos humanos, que hoje é geralmente aceite e de que a UNESCO foi uma das precursoras.

Apesar dos progressos que se estão a registar, há que reconhecer que estamos ainda longe de abarcar a totalidade dos elementos caracterizadores da pobreza, o que vai ter implicações ao nível do combate aos seus factores explicativos. A título de exemplo, vale a pena chamar a atenção para o facto do indicador da privação material não distinguir ainda as necessidades fundamentais dos vários grupos populacionais. No caso da pobreza infantil, que em Portugal atinge não só valores elevados, como está a conhecer uma evolução desfavorável, o facto de não serem tomadas em conta as suas necessidades específicas vai traduzir-se em enviezamentos significativos. Seria também útil dispor de indicadores sobre a percepção subjectiva da pobreza, por parte dos pobres e dos não pobres, o que daria contributos importantes sobre a consciencialização deste problema e do grau de “tolerância” da nossa sociedade em relação à pobreza.

Quando é que seremos capazes de medir a pobreza, de acordo com a concepção de Amartya Sen, que a define, sobretudo, como um deficit de capacidade(s), quanto à possibilidade de se encontrar um emprego, às condições de acesso à saúde, ao sucesso na educação, etc.? São também estas questões que vão muito provavelmente conhecer uma degradação na actual fase de contenção orçamental, para já não falar da redução dos recursos monetários.

4 comentários:

  1. Confesso sérias dúvidas nesta matéria. Não sei se o problema está na fraca adesão ás teses de Sen se , pelo contrário, é a aceitação delas parte mesma do problema. A persistente tentativa de implementar politicas globais implica generalizações e conduz a níveis de abstracção cada vez maiores nos conceitos que as deveriam suportar. Falar de pobreza à escla da humanidade soa-me a abstracção do mesmo género do conceito de clima ao nível do planeta. Em concreto que tem o clima de S Tomé a ver com o da Islândia ? O resultado de se persistir neste tipo de abordagem, são visões do mundo reducionistas e falaciosas como as que, graças a Sen, nos é proporcionada pelo PNUD. Então vive-se melhor nas favelas do Rio que nas aldeias do Alto-Xingu ( veja-se respectivo IDH ) ? O adolescente Nova Iorquino escolarizado que nunca viu um frango ao vivo tem maiores capacidades para providenciar ao seu sustento que o adolescente Massai do Alto Quénia que nunca foi à escola ? Segundo Sen, era suposto que o incremento de capacidades que a escolarização traria fosse capaz de restituir á sociedade indivíduos mais autónomos. Mas como é que isso se compagina com o crescimento que se tem registado no número de licenciados europeus vivendo á custa dos pais com a instrução elementar ? Tenho ideia que há questões que só podem ser bem resolvidas regionalmente, promovendo as melhores combinações possíveis entre território, população e cultura. É tb por isso que não me parece que as teses de Sen sejam um contributo relevante para nos percepcionarmos. Vejo-as antes como os menores denominadores comuns, tão genéricos quanto inconsequentes, que são necessários para viabilizar agendas tão conflituais e obscuras como as do PNUD.

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  2. Em parte concordo consigo quando diz que a redução e eliminação da pobreza hão-de resultar de uma acção de âmbito regional que integre, da melhor forma, população, território e cultura. Também concordo que excessivo acento posto em comparações, sobretudo quando se trata de indicadores muito agregados e contextos muito díspares, podem ser falaciosas. Todavia, não creio que destas convicções se possa deduzir que o conceito de "entitlement" de Sen seja irrelevante. A meu ver este conceito dá conta de uma das dimensões fundamentais para avaliar da fronteira entre pobres e não pobres: a capacidade de cada pessoa ou família prover por si própria ás suas necessidades básicas.

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  3. Sim, Cara Manuela Silva, mas referira-me à relevância dos resultados mais notórios ( IDH) decorrentes das teses de Sen. Saiu-me curta a frase. No entanto não tenho problemas em confessar-lhe alguma reserva quanto à relevância explicativa e prospectiva das teorias da capacidade de governança de Sen. Prefiro pensar a governança como capacidade orgânica de uma comunidade. Julgo que a ênfase no individuo é curta. A capacitação e as oportunidades não me fazem muito sentido fora das comunidades nos territórios onde se habita. As ideias estruturalistas de L Strauss paracem-me uma base mais consistente para reflectir estes problemas. Sen “legitima” a ideia de que para uma infinitude de possibilidades aleatórias de capacitação, existe outra infinitude de oportunidades de realização. Bem, mas as oportunidades não são coisas disponíveis á-la-carte numa feira qualquer,e no limite não são coisas desligadas de contextos e necessidades objectivas. O desacerto que está aí entre a liberdade de acesso às capacitações e as oportunidades disponíveis, ou entre as oportunidades criadas e as necessidades reais, fala por si.

    Cumprimentos.

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  4. Os comentários de Manuel Rocha e Manuela Silva levantam questões da maior relevância e ultrapassam porventura as intenções do texto que escrevi. A referência a Sen quis sobretudo chamar a atenção, para além das perdas de rendimentos decorrentes das actuais medidas restritivas, para a redução de capacidades imposta por medidas, como são os casos do apoio às refeições dos alunos ou às ATL que, a prazo, podem contribuir para a construção do empoderamento, essencial na resolução das carências com que se debatem.

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