O INE divulgou recentemente, no âmbito de um seminário público, o Inquérito sobre a pobreza, as desigualdades e a privação material, em Portugal, em 2008, instrumento desenvolvido no âmbito comunitário desde 2004 e que veio substituir o anterior Painel Europeu de Agregados Domésticos Privados, aplicado entre 1994 e 2001.
Saudamos a iniciativa, pois se trata de um instrumento de qualidade técnica apreciável e debatê-lo publicamente permitiu aprofundar alguns dos seus aspectos.
No âmbito da ciência económica, todos sabemos que a informação estatística abundante e com qualidade é indispensável para basear acções de política económica correctas e posteriormente avaliar essas mesmas acções políticas. Recordamos a propósito o Relatório Stiglitz, encomendado em 2008, pelo Presidente Sarkozy, insatisfeito com o estado da informação estatística sobre a economia e a sociedade.
Infelizmente, o “desvio” entre o momento em que as decisões de política económica são tomadas e o momento a que se referem os dados estatísticos, impossibilita na maior parte das vezes que as mesmas possam cumprir os objectivos pretendidos.
O referido Inquérito vem-nos mostrar que, entre 2004 e 2008, diminuíram as desigualdades na repartição de rendimentos em Portugal, assim como a pobreza e a privação material.
No que se refere à desigualdade da repartição de rendimentos, o Coeficiente de Gini (que varia entre 0 e 100, sendo a repartição mais igualitária quanto mais próximo de 0 este indicador estiver) reduziu-se de 38,1 % para 35,4% entre 2004 e 2008. De destacar contudo, que em 2007, na U.E., apenas a Bulgária, a Letónia e a Roménia apresentavam coeficientes de Gini mais elevados que Portugal.
Resultados idênticos se obtêm com outras medidas de desigualdade, como sejam as relações entre os rendimentos auferidos pelos grupos de maiores e menores rendimentos: os 80 % “mais ricos” passaram a auferir 6 vezes o que auferem os 20% de menores rendimentos, em 2008, contra 7 vezes em 2004. (Utilizando outros quantis de rendimento observa-se a mesma tendência de diminuição das desigualdades).
Também a taxa de risco de pobreza após transferências sociais se reduz, passando de 20,4% em 2003 para 17,9% em 2008.
Estes resultados poderiam deixar-nos “satisfeitos” (não pelo seu nível absoluto ou relativo) mas apenas por se encontrarem inseridos numa linha de tendência de redução das desigualdades e da pobreza. Contudo, todos temos a percepção e os organismos que lidam com estas realidades assim o comprovam, que a pobreza e as desigualdades têm aumentado, no nosso país, nos últimos tempos, especialmente a partir do momento em que a situação de crise se agudizou (período já não coberto por este inquérito) Corremos o risco de terem sido tomadas medidas de austeridade que vão agravar ainda mais a situação em que determinados grupos vivem, sem que a informação estatística disponível tenha servido de alerta para algumas decisões de cariz social.
Que fazer então? Procurar desenvolver indicadores sintéticos e de previsão, a partir da informação estatística disponível e de fontes administrativas que permitam disponibilizar rapidamente elementos que retratem de forma realística e actualizada a situação em cada momento.
Pareceu-me que esta foi uma conclusão importante da discussão desenvolvida sobre este Inquérito. Assim seja possível concretizá-la.
Quantificar uma dada realidade económica ou social é dar-lhe visibilidade na opinião pública e contribui para que a mesma encontre o devido lugar nas agendas políticas, o que, no caso da pobreza e da desigualdade, constitui acto político do maior alcance.
ResponderEliminarDar a conhecer as desigualdades na repartição do rendimento e da riqueza, a incidência e severidade da pobreza e os seus múltiplos rostos, as grandes disparidades de condições em que vivem os cidadãos e as cidadãs do nosso País e as carências básicas de que sofrem alguns estratos de população constitui uma tarefa fundamental das sociedades democráticas a qual tem de ser assumida como responsabilidade das respectivas administrações públicas e governos.