Com o impacto da pandemia COVID 19 sobre as
economias europeias, já de longa data acusando problemas estruturais muito
graves, lançou a UE uma série de medidas de emergência e de apoio aos estados -
membros, em parte financiadas pelo Mecanismo Europeu de Recuperação e Resiliência
(MERR).
O Plano de Recuperação e Resiliência (que
passamos a designar PRR), para vigorar entre 2021 e 2026, é uma dessas medidas.
Como tal deveria respeitar as três dimensões estruturantes do MERR para a
retoma do crescimento sustentável e inclusivo, ou seja, o reforço da
resiliência económica, social e territorial e, simultaneamente, a preparação
das oportunidades decorrentes da transição climática e da transição digital.
Perante este desafio e na falta de uma
estrutura de planeamento, entendeu o governo encomendar ao Professor Costa
Silva um exercício de reflexão sobre uma estratégia de desenvolvimento com o
horizonte de 10 anos (2020-2030) que constituiria o suporte de um futuro plano
de desenvolvimento económico e social.
Naturalmente que uma tal estratégia não
poderá, sem mais, ser transposta para um horizonte encurtado a metade do tempo,
como escreve Manuel Brandão Alves no post
que aqui publicou no passado dia 25.
Certo é que o PRR assume ter sido inspirado
pela referida Visão Estratégica, ao ambicionar ser o início do caminho para uma
economia mais competitiva, mais coesa e mais inclusiva e, simultaneamente,
atenta às mudanças impostas pela
transição climática e digital.
O financiamento e os seus condicionalismos
O apoio financeiro da União Europeia (até hoje ainda não aprovado pelo Conselho, dada a oposição de uma minoria de estados membros) será concedido através de subvenções não reembolsáveis num total de 12,9 mil milhões de euros ao longo do período de 2021 - 2026, devendo os projectos candidatos ser aprovados até final de 2023 e integralmente executados até meio de 2026.
Os desembolsos só ocorrerão à medida que forem sendo cumpridas metas contratadas, para além da prova das despesas efectuadas. Todo o investimento é elegível, pelo que a componente de financiamento nacional é dispensada.
O tempo de preparação do PRR era, à partida,
de poucos meses, mas foi encurtado por decisão do Governo, que entregou à
Comissão um primeiro esboço a 15 de outubro.
Um
Plano ou uma simples listagem de projectos?
Não dispondo de um plano de desenvolvimento a
longo prazo para dele destacar algumas medidas prioritárias e perante a evidência de um muito forte
impacto da pandemia que as medidas de emergência não chegariam para contrariar,
recorreu o governo a uma selecção de projectos que tivessem maior probabilidade
de concretização rápida, incluindo aqueles que normalmente a U.E. não apoiaria.
Como é evidente, este processo envolve riscos,
por exemplo ao não contar com outras medidas de política que ficam à margem do
PRR mas que podem ter maior ou menor influência sobre o seu desempenho.
Por outro lado, a antecipação da data de
entrega pode ter contribuído para a insuficiente auscultação das instituições
que vão ser chamadas à responsabilidade da execução.
De notar que
na sessão temática parlamentar de apresentação do esboço de PRR não foi obtido o consenso
pretendido, aparecendo aí bem extremadas
as posições partidárias no tocante ao papel que cabe ao estado ou ao mercado.
A
estrutura do PRR
A proposta de esboço do PRR está organizada em torno de três Dimensões -
Resiliência, Transição Climática e Transição Digital -, por sua vez cada uma
delas desdobradas em três Roteiros e envolvendo, no conjunto, 31 reformas
estruturais.
A redução das vulnerabilidades sociais, o
reforço do potencial produtivo e do emprego bem como a competitividade e coesão
territorial são os roteiros para a primeira daquelas dimensões. A mobilidade
sustentável, a descarbonização e a bio - economia a par da eficiência
energética e renováveis incluem-se na 2ª dimensão e, em ligação com a 3ª,
encontra-se a digitalização nas escolas, nas empresas e na administração
pública.
Coincidindo o lançamento do PRR com um
período de forte impacto pandémico sobre a saúde e a economia entende-se que o
governo tenha proposto que mais de metade das verbas (55,8%) fosse aplicada no
reforço da resiliência.
É até provável que as vulnerabilidades
sociais e das empresas, se continuarem a agravar-se a ritmo acelerado, venham a
requerer outras intervenções, muito para além das que hoje estão a ser
concretizadas, de forma a salvaguardar a coesão social.
Quanto às duas outras dimensões são
atribuídos 2,7 mil milhões de euros para
a transição climática e 3 mil milhões para a transição digital. São objectivos
que só o tempo longo permite alcançar, mas desde já se nota a disparidade entre
as intenções anunciadas e a limitada capacidade dos projectos listados em número que ultrapassa várias
dezenas.
Alguns exemplos têm sido apresentados neste sentido, sobretudo no domínio da competitividade e coesão territorial, sendo este um problema estrutural a que é necessário dar a maior das atenções para não se correr o risco do aumento das desigualdades já hoje totalmente inaceitáveis.
O
potencial do PRR e o modelo de governação e reporte
Parece-nos difícil vir a concretizar uma
avaliação global do impacto do PRR tantos são os factores exógenos que o condicionam, incluindo o impacto de outros
programas e políticas dirigidas aos mesmos domínios ou que, de alguma forma, potenciam
ou prejudicam os seus resultados.
O PRR apresenta uma estimativa de impacto
sobre o PIB da ordem de 0,5% ao ano, partindo de cenários que merecem reservas,
além de que este indicador é inadequado para aquela finalidade.
Atingir um elevado grau de realização dos
projectos e consequente acesso ao financiamento europeu sendo, só por si, um
indicador de boa gestão, não esgota o
papel atribuído às entidades que integram o modelo de governação em quatro
níveis (páginas 48 e 49): coordenação
política; coordenação técnica e de gestão (que integra uma nova estrutura de
missão); controlo e auditoria; acompanhamento.
Fica a expectativa de que, como previsto, ”a estrutura de missão manterá uma carteira de indicadores nos termos a
acordar com a Comissão Europeia e alinhada com metas e objectivos que
caracterizam os investimentos” .
É referido que “a gestão será centralizada e a execução sempre que possível descentralizada,
envolvendo os actores territoriais, municipais e comunidades interterritoriais”.
Parece-nos que não está bem esclarecido até
que ponto, nem como, será posta em prática a descentralização: o envolvimento
das populações e das organizações da sociedade civil, que é sempre um requisito
de sucesso de qualquer plano, pode ser problemático quando se está perante uma
proposta que nasce a partir do topo. A
não ser cuidado este aspecto, será difícil a coordenação dos intervenientes e
uma justa apropriação dos impactos positivos do PRR.
Em qualquer caso, será possível obter
melhores resultados, se for dada atenção à selecção criteriosa dos instrumentos
de implementação e se o modelo de governação e controle for capaz de evitar um
exagero burocrático, sem descurar a transparência do processo e a abertura à
participação democrática no controle e execução.
Até que ponto o modelo de governação e a sua forma de actuação podem vir a maximizar o potencial impacto deste PRR, é uma questão a que ainda não sabemos responder.
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