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17 setembro 2020

Poderia a escola não ter reaberto?

 Reabre hoje a escola para a maioria das crianças e jovens do nosso País. Se este facto traz sempre associado amplos comentários e trocas de pontos de vista, este ano assim é por maioria de razão, dada a pandemia do COVID-19.

Um primeiro ponto: a escola deveria ou não reabrir?

A escola devia reabrir, por muito grandes que sejam os nossos receios. Por várias razões.

Antes de mais, porque as crianças e os jovens não aprendem tão eficazmente fora da escola. As aprendizagens de conteúdos e competências são cada vez mais o resultado da interacção social, só esta permite que se desenvolvam as dimensões emocionais e afectivas indispensáveis à aprendizagem[1]. E, sobretudo, as crianças e os adolescentes sentem a falta dos amigos e do convívio. Por outro lado, e por muito preparados e empenhados que os professores estejam para o ensino via plataforma ou através da televisão, como foi em geral o caso dos professores portugueses, também estes se sentem constrangidos: por não conseguirem olhar nos olhos os seus alunos, por não receberem as suas reacções, por contactarem menos com os seus pares, até por não terem que impor a disciplina.

E o mais pequenos, os do pré-escolar e jardins de infância?

Também. E talvez por maioria de razão. Um estudo recente do Conselho Nacional de Educação, constata que os alunos portugueses com melhor desempenho no 4º ano de escolaridade tinham adquirido competências básicas e iniciais em literacia e numeracia antes da entrada no 1º ano[2]. E como igualmente a escolaridade e o “capital escolar” dos pais continuam a exercer grande influência no desempenho e aproveitamento dos alunos portugueses – o mesmo estudo confirma-o - a frequência, tão abrangente quanto possível, do ensino pré-escolar torna-se indispensável para o nivelamento das oportunidades.

É claro que a economia também beneficia muito com o regresso das crianças à escola…

Sem dúvida. Os pais e mães podem agora sair para trabalhar, em vez de estarem em tele-trabalho ou lay off. Lá farão das tripas coração e a sua ginástica habitual para conciliarem horários, gerir refeições e apelarem ao apoio dos avós, sempre que possível. E, note-se, este não é um pequeno esforço! A bem da verdade, interpenetram-se aqui cada vez mais os domínios da economia formal e da crescente economia do cuidado… Porque o Estado não oferece mecanismos de apoio ao tempo livre das crianças e jovens… Sim, mas também porque os avós constituem neste tempo, e apesar de todas as críticas, uma das poucas reservas de humanização de que as crianças e adolescentes podem beneficiar.

Mas, com a pandemia, também os horários de trabalho nas empresas têm de ser adaptados e ajustados…

Eventualmente. Mas aí se corre o enorme risco de dar origem a uma tremenda injustiça social. Se os horários dos pais e das mães forem agora alterados ao sabor dos objectivos de produtividade das empresas, tendo estas a tentação de intensificarem os turnos, o trabalho nocturno e de fins de semana, estaremos a correr o risco de um processo intenso de corrosão social. E de ainda maior desumanização. A concertação social mostra-se aqui indispensável. De outro modo, é preferível voltar a confinar.

Também a escola é chamada ao bom senso, mais do que nunca. Se por razões de segurança epidemiológica os pais dos mais pequenos não podem/devem entrar na escola e o processo de adaptação a esta tem de se fazer agora de forma mais brusca, então as competências que a escola deve agora oferecer e desenvolver em primeiro lugar são as emocionais e afectivas. As competências para a vida deveriam constituir um nível seguinte: são uma extensão da família, ensinam a preparar os bens necessários à vida e a zelar pela sua boa manutenção, fomentam a poupança dos recursos escassos do planeta… Aprender a ler e fazer contas fazem naturalmente parte deste processo. Do mesmo modo, a responsabilização dos adolescentes pela preservação da sua saúde e dos seus colegas deve constituir uma primeira etapa na entrada da escola em anos mais adiantados. O que não suporá ter auxiliares educativos a “fiscalizar” intervalos e vestiários mas antes o adequado contributo das ciências da natureza, da educação física, da educação para a cidadania e de todas as disciplinas, em suma. Todas se deparam aqui com uma excelente oportunidade para aplicação prática dos conhecimentos curriculares. Mais do que isso, o domínio prático desses conhecimentos é agora indispensável…

 



[2] Conselho Nacional de Educação (2020). Desempenho e equidade. Uma análise comparada a partir dos estudos internacionais TIMSS e PIRLS.

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