“Aqui-d’el-rei”
que nunca mais encontram os responsáveis! Já passaram tantos dias e ninguém se
acusa. Até o Sr. Primeiro Ministro finge que não é nada com ele. É a falência
do Estado que deveria ser, por excelência, o garante da nossa segurança. É como
se o Estado não existisse!
A grande
maioria dos meios de comunicação social e dos responsáveis políticos, que se
intitulam de direita, muito têm contribuído para o desenvolvimento e
empolamento deste clima social impeditivo de uma análise serena dos
acontecimentos.
É ele
justificado? Não. Naturalmente, que
é importante que se encontrem os responsáveis. Só que os responsáveis não são,
apenas, os atores políticos atuais. Muitos dos que, hoje, inflamadamente clamam
por justiça seriam mais avisados se realizassem uma introspeção a alguns dos
seus comportamentos do passado. Então porquê? Vamos ver. Já em outra ocasião aqui
abordei esta questão. Mantendo-se a substância do já anteriormente referido, os
novos contornos dos acontecimentos justificam que aqui volte ao assunto.
Deverá o Estado
ser responsabilizado quando se verificam estes desastres e dar resposta aos
sentimentos de orfandade em que se vêm a encontrar os mais diretamente afetados
pelos acontecimentos?
Deverá ser
responsabilizado pelas catástrofes evitáveis, mas pouco poderá fazer contra as
que não podem ser previsíveis e são consequência dos maus humores da natureza. Tanto
nestes casos, em que a responsabilização não é imputável, como nos casos em que
ela é possível, existe uma obrigação indeclinável do Estado em ir ao
encontro dos que vêm a ficar em situação de precariedade, confortando-os, dando
resposta célere às suas necessidades básicas e encontrando o enquadramento e os
apoios indispensáveis a um novo início de vida, quando tal se justificar.
Estaremos de
acordo com quase tudo o que acaba de ser dito. No entanto, esse acordo
pressupõe que tenhamos um entendimento mínimo sobre o que é o Estado e sobre as
razões do seu comportamento ao longo do tempo. Vejamos.
O Estado pode
ser olhado como sendo constituído pelos poderes, executivo, legislativo,
judicial e pelas instituições através das quais cada um destes poderes se
organiza. Eles existem para dar respostas de natureza política, económica e
social a necessidades dos cidadãos. No entanto, os atos do Estado não aparecem,
nem se esgotam num único instante. Uma vez tomada uma decisão, os seus
resultados e repercussões vão-se desenvolver ao longo de vários momentos do
tempo. Existe alguma tendência para incluir no Estado apenas as instituições do
Estado Central, o que é errado porque nele devem ser consideradas, também, as
instituições do Estado Local ou Regional, caso existam as Regiões.
As instituições
do Estado não podem ser tomadas como simples componentes de um organograma. São
corpos vivos, dotados de pessoas, equipamentos, instalações e capacidades. O
seu comportamento visa a realização de objetivos com o máximo de eficiência e de
eficácia. Eficiência, com vista a atingir os objetivos com a menor utilização
de meios; eficácia, de modo a que os objetivos realizados se aproximem o mais
possível dos objetivos programados.
Se as
instituições são dotadas de pessoas, equipamentos, instalações e capacidades,
as decisões que alterem o seu número ou a sua qualidade, podem ter ou têm
efeitos imediatos, mas também consequências a médio e longo prazo. É o
comportamento das instituições ao longo do tempo que vai determinar a maior ou
menor qualidade das funções que são exercidas pelo Estado.
Aqui chegados, voltemos
à questão da responsabilização. Perante uma tragédia, o comportamento do Estado
face aos cidadãos é, assim, determinado pelas decisões tomadas em cima dos
acontecimentos, mas também por decisões tomadas em momentos anteriores e pelas
espectativas valorizadas quanto à evolução futura dos acontecimentos.
Os responsáveis
terão de ser encontrados não apenas entre os que tomam as decisões atuais, mas
também entre os que tomaram decisões no passado ou contribuem para formular
cenários de futuro e que, direta ou indiretamente condicionam as decisões
possíveis, no momento presente.
É curioso
verificar que entre as pessoas e instituições mais aguerridas na descoberta dos
responsáveis vamos encontrar muitos dos que são autores, no passado recente, de
decisões de fragilização do funcionamento das instituições do Estado. Por
exemplo: promovendo a privatização de funções e instituições de que o Estado, agora,
não se pode socorrer para tomar respostas que sejam eficazes. Têm efeitos
equivalentes a eliminação de órgão essenciais da administração do Estado
(gabinetes técnicos e de planeamento, órgãos de consultoria, etc), a não
renovação e qualificação dos agentes do Estado e a ausência de melhoria dos
seus equipamentos e instalações.
Frequentemente
esquecido, mas não menos importantes são os vícios de funcionamento das
instituições, herdados do Estado Novo, caracterizados pela não assunção ou
retirada de responsabilidade dos agentes do Estado nos vários níveis hierárquicos
em que se encontrem. Igualmente surpreendente é o facto de os responsáveis dos
níveis superiores da hierarquia e da governação terem como que uma aversão
mortal em pedir responsabilidades aos titulares de níveis inferiores ou, em
revelá-lo publicamente.
Portanto, no
que diz respeito ao apuramento de responsabilidades, elas podem encontrar-se no
governo e nas oposições, nos sindicatos, nos dirigentes e nos funcionários
preguiçosos ou pouco diligentes, tanto no que diz respeito aos seus
comportamentos ativos, como no que se refere à ausência de ação.
Como estamos
com um outono chuvoso que ninguém pense que poderá chegar a casa sem uma
valente molhada ou sem ter apanhado alguns pingos de chuva.
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