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09 janeiro 2018

A revisão da Lei de Bases da Saúde



Está lançado o debate na sociedade portuguesa acerca da revisão da actual Lei de Bases da Saúde, de 1990, que alterou a lei inicial, de 1979, ano da criação do SNS.

É importante referir que a nossa actual Lei nasceu num contexto internacional liberalizante, com impacto sobre os sistemas de saúde de vários países onde vigoravam sistemas integradores, entre os quais o destaque é devido ao Reino Unido.

Naturalmente, o SNS não ficou imune aquela tendência e, ao longo dos anos, sofreu a influência nefasta de sucessivas mudanças quanto a orientações e prioridades.

Como referiu, em 2003, o Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), eram então identificadas três períodos bem distintos: um primeiro em que a ênfase era colocada na separação entre o sector público e o privado, um segundo advogava um seguro alternativo de saúde e um terceiro colocava a tónica no maior financiamento privado no sistema de saúde e na gestão privada das unidades públicas de saúde.

As fortes restrições financeiras na sequência da crise de 2007/2008 acentuaram sobremaneira as dificuldades de operação do SNS, descontinuando ou enfraquecendo a aposta em orientações muito promissoras como a de reforço e modernização dos cuidados de saúde primários, e, ao desvalorizarem a atenção que é devida aos seus recursos profissionais criaram problemas de muito difícil solução.

Ao mesmo tempo, tem aumentado a presença do sector mercantil, particularmente no sector hospitalar, através de parcerias público privadas (PPP), em quatro casos abrangendo a própria com gestão (política que tinha sido interrompida durante alguns anos na sequência de uma experiência mal sucedida) e não apenas suprindo o financiamento da construção.

Como é fácil concluir, todo este processo alterou de forma não planeada a arquitectura de modelo fundador do SNS, de tal forma que se terão multiplicado ineficiências em vez de se terem centrado as atenções no que poderia ser a sua modernização e no combate ao desperdício.

Uma questão específica merece desde já ser colocada: para se manterem bons indicadores de saúde, numa população com baixo poder de compra e múltiplas carências no domínio da literacia, não pode continuar a ser crescente a parcela dos gastos de saúde a cargo dos utentes. Não é assim defensável um menor financiamento público da saúde, sendo o nacional um dos mais baixos da OCDE. Nem pode a lógica dos mecanismos de mercado ser compatível com a satisfação das necessidades em saúde.

Sem advogar uma visão catastrofista, entendemos que deve ser dada muita atenção a alguns dos nossos indicadores que apontam para um estado de saúde insatisfatório ou mesmo em regressão.

A título de exemplo, é preocupante que a esperança de vida saudável aos 65 anos não só esteja aquém do que se regista na EUa28 (7.0 contra 9,4 em 2015) como, sobretudo, tenha vindo a diminuir. Com efeito, entre 1995 e 2015, o número de anos de vida saudável dos idosos portugueses, passou de 8,3 para 7,0, na média masculina, descendo ainda mais para as mulheres, de 9,9 para 5,4 (Pordata).

Esperamos que o processo de revisão da Lei de Bases da Saúde suscite um amplo debate e, no final, se possa consolidar uma visão estratégica para o sector que responda às necessidades de saúde da população portuguesa, num horizonte alargado: não mais deveria ser permitido que uma qualquer crise financeira possa vir a afectar negativamente o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde, cuja responsabilidade se deve manter nas mãos do Estado como prestador nuclear. Os portugueses valorizam e defendem o SNS - uma rede de serviços de saúde, articulados e complementares, apoiados solidariamente por todos através dos impostos que pagam - como uma conquista da democracia.

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