Nas próximas semanas, é expectável que o debate político se dirija, sobretudo, para as eleições autárquicas marcadas para o primeiro dia de Outubro. Sem querer subestimar este importante acto político, não esqueço que, em simultâneo, decorrerá a preparação do Orçamento de Estado para o próximo ano, o qual, como é sabido, enformará as políticas públicas e, directa ou indirectamente, influenciará o rumo da economia e da sociedade.
No processo de elaboração do Orçamento de Estado não é demais salientar a importância dos diagnósticos de situação, do seu grau de abrangência, do alcance da visão prospectiva e política que os informa, do rigor das análises que lhes subjazem, das ênfases e alertas que destacam. É que os diagnósticos de partida vão influenciar o debate político e determinar, ao menos em parte, as decisões finais. Daí a sua importância e o reconhecimento, uma vez por todas, de que os diagnósticos não são instrumentos meramente técnicos assentes em modelos econométricos ideologicamente neutros.
A este propósito, gostaria de destacar duas questões nucleares: as mutações em curso no mundo do trabalho, pelo efeito conjugado da robotização e da digitalização, e a sua incidência na protecção social, no estilo de vida e no bem-estar social; o agravamento crescente das desigualdades e suas consequências do ponto de vista da justiça, da coesão social e da sustentabilidade ambiental.
Nos diagnósticos em curso há que dar o devido relevo a estas temáticas, mas importa ir mais além, fazendo-as reflectir nos objectivos a atingir pela via do OE e nas medidas que venham a ser preconizadas. Requer-se, pois: uma formulação clara quanto aos primeiros e a atribuição do lugar de centralidade que devem merecer; a ousadia na procura de soluções imaginativas que não fiquem enredadas em visões e slogans de uma realidade que pertence ao passado, mas compaginem a inevitável mutação em curso no mundo do trabalho com as exigências decorrentes dos valores da ética e da democracia.
De vários quadrantes têm surgido vozes apelando à necessidade de dar um lugar de maior centralidade na política pública ao combate das desigualdades cujo crescimento exponencial constitui uma legítima preocupação, tanto para quantos defendem a sustentabilidade do actual modelo económico como para quem está empenhado em actualizar os fundamentos que viabilizem o estado de bem-estar social.
O debate em torno do rendimento universal básico condensa esta dupla preocupação. Não servindo de panaceia, permite, no entanto, que se desperte para a realidade emergente e se mobilizem energias com vista a novo Pacto Social que combine desenvolvimento, democracia e paz.
Sobre a necessidade de um novo Pacto Social ver uma entrevista recente de Tatiana Roque. Aqui
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