Em matéria de Educação, como
noutros domínios das Ciências Sociais, vingou durante muito tempo a alegoria do
mosaico, através da qual se pretendiam representar os diferentes sub-grupos de
países europeus. Distinguia-se, assim, o grupo dos países do sul e
mediterrâneo, do qual fazíamos parte[1], o dos países nórdicos
que, não só em geografia mas também em educação, se separava do primeiro por
uma distância extrema e ainda o dos estados do centro europeu, subdividido por
sua vez nos grupos ocidental e oriental por influência da Cortina de Ferro.
Sucessivamente criticada,
esta alegoria dificilmente resistiu e hoje em dia percebemos melhor uma das
principais razões daquela crítica: se não se verificava propriamente uma grande
heterogeneidade dentro de cada grupo, subsistiam, no entanto, comportamentos
extremos, ou outliers como a
Estatística gosta de dizer. No caso dos países do Sul, Portugal representou por
diversas vezes esse papel e continua, de resto, a fazê-lo no que respeita a
alguns indicadores. No conjunto dos países nórdicos, destacava-se em termos
semelhantes a Islândia. Note-se que estamos a referir estes dois países por
confronto ao seu grupo de referência, sendo totalmente desajustada qualquer
comparação directa entre os mesmos. No entanto, dois ou três traços
fundamentais da evolução histórica e económica dos dois países poderão equivaler-se
quanto ao contributo para um atraso relativo nos respectivos sistemas
educativos: quarenta anos de ditadura e obscurantismo, em Portugal, tiveram efeitos
em parte correspondentes aos resultantes de uma independência tardia na
Islândia que teve de esperar pela Segunda Guerra Mundial para se tornar
independente da Dinamarca, em 1944; os baixos níveis de vida de populações que,
num e noutro caso, subsistiam a custo da agricultura e das pescas, tendo
encetado muito tardiamente o processo de desenvolvimento industrial; o tempo
insuficiente de maturação deste processo face ao eclodir e globalizar da
economia tecnológica e digital, não permitindo quer o reforço subsequente das
bases domésticas industriais quer a implementação das indispensáveis reformas
estruturais.
Esta introdução serve
fundamentalmente para ajudar a enquadrar a evolução de alguns processos
educativos em Portugal e na Islândia face, repetimos, aos respectivos grupos de
enquadramento, salientando o papel desempenhado, no segundo caso, pela
institucionalização e efectivação de um amplo consenso social. Os domínios que
tomamos como referência, naturalmente de forma muito breve, são os do abandono
escolar e da educação da população adulta, sinteticamente descritos na Figura
seguinte (PORDATA, 2017):
Como facilmente se constata,
tanto Portugal como a Islândia se comportam como casos extremos negativos, face
ao respectivo grupo, quanto áqueles dois indicadores. Com uma taxa de emprego
de 79,7% em 2015, face a 51,3% e 52,1% em Portugal e EU, respectivamente, a
Islândia sofreu, ainda assim, os efeitos da crise económica sobretudo relativamente
aos trabalhadores menos qualificados, efeitos associados também ao extremamente
elevado custo de vida e a um sistema de ensino peculiar pela extensão do
pré-universitário até aos 20 anos[1]. O principal reflexo daquele
enquadramento traduz-se numa persistência elevada do abandono escolar que
atinge significativamente os jovens islandeses antes da entrada no Ensino
Superior; para este facto contribui também uma estrutura salarial bastante
concentrada, sem sobre prémio remuneratório significativo para as qualificações
superiores. Somando o facto de a Islândia continuar a ser o país nórdico com
mais baixa percentagem de adultos com o Ensino Secundário, a educação da
população adulta e o abandono precoce da escola encontram-se, neste país,
extremamente interdependentes sendo objecto de medidas de política que em parte
são comuns.
Do mesmo problema se queixa
Portugal, embora por razões bem distintas: os níveis de emprego não são
comparáveis, nem a estrutura de qualificações e remunerações no mercado de
trabalho e também não o é a idade de referência para o términus da escolaridade
obrigatória. Pela positiva, o nosso país destaca-se face à Islândia pela
evolução extremamente positiva do indicador de abandono escolar, contrariamente
ao que se verifica com a escolaridade da população adulta.
Será que neste último
domínio podemos aprender algo com a experiência nórdica e, em particular, da
Islândia?
Pois bem, aqui fica para
reflexão a pedra de toque das metodologias implementadas naqueles países com
vista à melhoria da educação e formação da população adulta: um amplo consenso
social, servido por uma base institucional extremamente forte e constituída, em
pé de igualdade, por representantes dos empregadores e suas associações, dos
sindicatos e uniões sindicais, dos representantes escolares e alunos dos vários
níveis de escolaridade. Modelo institucional para o qual contribui
financeiramente o Estado em conjugação das diversas tutelas, mas também as
autarquias, as empresas e os próprios beneficiários; com uma oferta educativa
que assenta numa educação vocacional bastante desenvolvida, disponível para
todos os níveis de ensino e oferecida tanto numa base regular de educação
formal como através dos numerosos centros de formação ao longo da vida. Estes,
constituem desde logo responsabilidade da oferta educativa a todos os níveis[2], encargo da Administração
Central mas sobretudo das autoridades locais e cuja gestão reúne a mesma
amplitude de parceiros institucionais que atrás vimos associar-se ao chamado
ensino regular.
Será isto condição
suficiente para a solução dos desafios colocados pela Educação da População
Adulta? Não, não é; basta relermos o Capítulo 5 da obra Pensar a Educação[3] para vermos claramente todo um outro conjunto de dimensões
fundamentais neste tipo de políticas. Também é certo que já aprendemos como é
errado tentar importar os modelos, ou “milagres”, educativos de outras
sociedades. Aliás, em matéria de compromisso e consenso social é bem conhecida
a especificidade da evolução histórica e política dos países nórdicos.
Mas, em Portugal, é longo o
caminho a percorrer, muitos têm sido os avanços e recuos e gritante a falta de
uma concepção estratégica neste domínio. Não se justificará, então, reflectir
sobre as potencialidades de um modelo assente numa visão de conjunto e de
responsabilidade partilhada entre todas as instâncias interessadas, em vez de
se continuar a tentar dirimir querelas estéreis entre tutelas que persistem na separação?
[1]
Em grandes linhas, o Sistema de Ensino na Islândia decompõe-se da seguinte
forma: educação de infância, até aos 6 anos; escolaridade obrigatória,
compreendendo o ensino primário e o secundário inferior, integrados, entre os 6
e os 16 anos; o secundário propriamente dito, dos 16 aos 20; e o Ensino
Superior, dos 20 anos em diante. Para uma análise mais completa ver o site do
Ministério da Educação e Cultura Islândes, em https://eng.menntamalaraduneyti.is/education-in-iceland/Educational_system/,
também em Inglês.
[2] Na
Islândia é frequente assistir-se à frequência de aulas, em qualquer grau de
ensino, por parte da população que de há muito excedeu a correspondente idade
de referência.
[3] Capítulo
coordenado por Natália Alves, “A Educação da População Adulta”, em Manuela
Silva e outros/as (coord.), 2015, Pensar
a Educação, Lisboa: EDUCA.
[1]
Certamente por influência da nossa participação, ainda nos anos 60, no Projecto
Regional do Mediterrâneo, da OCDE.
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