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03 março 2017

Gente de primeira classe?



A avalanche de notícias que trouxeram ao conhecimento público a realização de múltiplas e elevadas transferências de dinheiro para paraísos fiscais sem o controlo inspectivo da Autoridade Tributária, tem provocado reações de perplexidade e a justa revolta de uma maioria fortemente sacrificada pelo chamado processo de ajustamento, desencadeado pela crise de 2007.

As mentiras e as meias verdades com que alguns pretendem mascarar factos incontroversos só contribuem para alimentar a desconfiança em quem se esperaria - pois é esse o seu dever - que procedesse sempre em ordem a salvaguardar o bem - comum.

A seu tempo, se for mantida a pressão suficiente, serão conhecidos os verdadeiros contornos das referidas transferências e apuradas todas as responsabilidades. Mais duvidoso poderá vir a ser o cálculo do prejuízo para os cofres do Estado e ainda mais a cobrança dos impostos devidos.

Entretanto, os partidos políticos preparam as suas propostas de legislação com vista a um maior controlo de alguns movimentos transfronteiriços de capitais, partindo de posições não coincidentes sobre o que são, para que servem e que vantagens ou desvantagens decorrem da existência de paraísos fiscais: basta ouvir a insistência com que o argumento da sua legalidade tem sido apresentado, sem questionar os impactos perversos, não só em matéria de perda de receitas fiscais, como de aprofundamento de desigualdades entre pessoas e empresas e, eventualmente, a ocultação de ilícitos.

Devemos a um conceituado especialista neste tema - Nicholas Shaxon - uma boa definição de paraíso fiscal: “um local que procura atrair negócios oferecendo facilidades politicamente estáveis para ajudar pessoas ou entidades a contornarem as regras e as leis ou regulamentos de outras jurisdições”.

Particularmente interessante é a desmontagem que este autor faz de uma série de argumentos geralmente apresentados em defesa dos paraísos fiscais num texto que pode aqui[1] ser consultado na íntegra.

Entre os mitos aí referidos está o de que os paraísos fiscais são bem regulados, cooperantes e transparentes, enquanto, na realidade, eles (localizados sobretudo nos países da OCDE) são eficazes apenas na protecção das fortunas dos mais ricos, através da evasão fiscal, informação privilegiada sofisticada, engenharias financeiras complexas, tudo isto à custa da sociedade em geral. São os mais pobres e a classe média que têm que compensar o não pagamento de impostos pelos mais ricos e poderosos.

O argumento de que os paraísos fiscais nada tiveram a ver com a última crise financeira global é outro mito muito bem rebatido por Shaxon, que vai ao ponto de afirmar que não só eles foram centrais nessa crise como estarão na génese da próxima.

Concluindo: os paraísos fiscais não só não têm qualquer função económica útil, excepto o enriquecimento de uma minoria à custa de todos os outros, pelo que a sua eliminação a prazo é um objectivo social e economicamente defensável.

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