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01 janeiro 2017

Faleceu o Professor Tony Atkinson

Faleceu hoje o Prof. Tony Atkinson da Universidade de Oxford. A sociedade e a Academia perderam o mais brilhante investigador mundial sobe desigualdades sociais. Eu perdi um mestre e acima de tudo um amigo.
A melhor forma de homenagear Tony Atkinson é continuar ler a sua obra e continuar a sua luta por um mundo mais justo, com menos desigualdade e menos pobreza. Na sua obra mais recente "Desigualdade - O que fazer”  Tony Atkinson deixou-nos um legado que ninguém com preocupações sociais deve deixar de ler. As suas principais propostas podem ser encontradas  aqui (http://www.tony-atkinson.com/the-15-proposals-from-tony-atkinsons-inequality-what-can-be-done/ ).
Para aqueles que o não conheceram deixo-vos a apresentação da sua obra que tive a honra de realizar quando a Universidade Técnica de Lisboa lhe atribuiu, em 2012, o Doutoramento “HONORIS CAUSA”.

 A)         Introdução.
O ISEG atribuiu-me o honroso encargo de apresentar nesta sessão o Prof. Anthony Atkinson, a quem a Universidade Técnica de Lisboa decidiu atribuir o Doutoramento ‘Honoris Causa’ , como reconhecimento do alto mérito prestado à Ciência, à Cultura e à Universidade.
Esta tarefa, que à primeira vista parece fácil dados os extensos méritos do homenageado, é na realidade bem mais difícil pelo esforço de síntese que é necessário para, num curto espaço de tempo, evidenciar os aspectos mais relevantes de um percurso académico e pessoal tão rico e tão brilhante.
Tive o imenso privilégio de contar com a sua orientação no decorrer da realização da minha dissertação de doutoramento. Por isso gostaria de iniciar esta apresentação do percurso académico do Professor Atkinson com uma das suas principais características. A de ter ensinado e estimulado gerações de estudantes a olhar a economia como algo que tem a ver com a vida das pessoas. O Professor Atkinson orientou dezenas de estudantes de doutoramento a quem transmitiu de forma empenhada e acalorada, mas sempre rigorosa do ponto de vista científico, muito do seu conhecimento e da sua experiência. Uma parte significativa dos principais investigadores nas áreas da desigualdade e da pobreza beneficiou da sua orientação e inspirou-se na sua visão do funcionamento da economia e do papel do economista.

B)         Biografia
O Prof. Atkinson nasceu em 1944 no país de Gales e estudou na Universidade de Cambridge entre 1965 a 1969. É actualmente Centennial Professor na London School of Economics e Fellow do Nuffield College em Oxford. Entre 1994 e 2005 foi warden do Nuffield College. Anteriormente leccionou nas Universidades de Harvard, Oxford, Cambridge, London School of Economics, University College de Londres, MIT e Essex.
O Professor Atkinson é Fellow da British Academy, e foi president da Royal Economic Society, da Econometric Society, da European Economic Association e da International Economic Association. É membro honorário da American Economic Association. No Reino Unido participou na Royal Commission on the Distribution of Income and Wealth, no Pension Law Review Committee e na Commission on Social Justice. Foi igualmente membro do Conseil d’Analyse Economique, junto do primeiro Ministro Francês.
Em 2000 foi-lhe atribuído o título de Knight pelo seu contributo para a economia, um ano depois o título de Chevalier de la Légion d’Honneur pelo Presidente Francês.
O Professor Atkinson publicou mais de uma vintena de livros entre os quais destacava Unequal Shares (1972), The Economics of Inequality (1975,1983), Lectures  on Public Economics (1980), conjuntamente com J.E. Stiglitz, Poverty and Social Security (1989), Public Economics in Action (1995), Incomes and the Welfare State (1996), Poverty in Europe (1998), The Economic Consequences of Rolling Back the Welfare State (1999), Social Indicators: The EU and Social Inclusion (2002), com B Cantillon, E Marlier e B Nolan, The Changing Distribution of Earnings in OECD Countries (2008).
Foi igualmente editor de mais de uma dezena de livros entre os quais merecem destaque particular o Handbook of Economic Distribution (2000) conjuntamente com F.Bourguinhon, Top Incomes over the Twenty Century (2007, 2010), com T.Piketty e Income and Living Conditions in Europe (2010) com E.Marlier.
Publicou mais de 250 artigos em revistas cientificas como the Review of Economic Studies, The Journal of Economic Theory, The Quarterly Journal of Economics, The Economic Journal, The Scandinavian Journal of Economics e The Journal of the Royal Statistical Society.

C)          Contributo para a Economia Pública.
A obra do Professor Atkinson deu um contributo importantíssimo para a economia pública. O livro Public Economics que escreveu no início dos anos 80, conjuntamente com Stiglitz, constitui ainda hoje um dos principais manuais de economia pública, com o qual gerações de estudantes e investigadores se familiarizaram com as questões da intervenção do Estado na Economia.
Entre os principais temas de economia pública analisados pelo Professor Atkinson destacaria:
     i.        As questões da tributação óptima e da combinação entre impostos directos e indirectos. Em dois artigos seminais escritos conjuntamente com Stiglitz em 1972 e 1976 demonstra-se as que a estrutura óptima dos impostos, do ponto de vista da eficiência, consiste em tributar com taxas mais elevadas os bens com menor elasticidade procura rendimento. Este resultado, no quadro da tributação óptima, generaliza os resultados já conhecidos da análise de equilíbrio parcial, e coloca em causa as vantagens de um sistema uniforme de taxas sobre os diferentes bens.
    ii.        O problema da tributação óptima do capital e das poupanças no contexto de problemas intertemporais (veja-se Atkinson 1971 e o importante artigo escrito com Sadmo em 1980).
   iii.        O estudo da inter-relação entre impostos pigouvianos, a provisão de bens públicos e a tributação óptima num estudo conjunto com Stern em 1974.
Muitos dos estudos desenvolvidos pelo Professor Atkinson no âmbito da economia pública, individualmente ou com outros investigadores, até meados da década de 80 foram reunidos num livro publicado em 1983 intitulado Social Justice and Public Policy.
Estes vários contributos apresentam um denominador comum, que é transversal a toda a obra científica do Professor Atkinson: a ênfase nas questões redistributivas e a demonstração da importância da análise económica no estudo das finanças públicas e da política pública.
Ainda no âmbito da economia pública gostaria de realçar a publicação, em 1997, da obra Public Economics in Action: The Basic Income/Flat Tax Proposal. Nesta obra o Professor Atkinson analisa as consequências sobre a tributação dos rendimentos e sobre os sistemas de segurança social da aplicação simultânea duma Flat Tax e dum sistema de rendimento mínimo.
Apesar dos muitos contributos que ao longo da sua carreira o Professor Atkinson deu ao desenvolvimento e ao enriquecimento da Economia Pública dificilmente poderemos já proceder a um balanço final na medida em que a sua capacidade de reflexão e inovação nesta área contínua a surpreender-nos, a sugerir novos caminhos quer do ponto vista do quadro teórico de análise quer na avaliação das medidas de política.
Gostaria igualmente de chamar a vossa atenção para uma comunicação recente do Professor Atkinson intitulada “Public Economics in an Age of Austerity”. Este texto, apresentado em Janeiro de 2012, permite situar claramente a crise actual no quadro teórico e conceptual da Economia Pública. O Professor Atkinson discute as potencialidades e as limitações da economia pública para analisar os principais problemas suscitados pela presente crise e as respostas que têm sido ensaiadas para a debelar. 
Neste artigo o Professor Atkinson critica a economia Pública por não ter suficientemente integrado os avanços ocorridos em outras áreas da economia como a Economia Industrial ou a Economia do Trabalho assim como o não ter em conta os desenvolvimentos de outras disciplinas como a Filosofia ou a Psicologia. A Economia Pública continua, segundo o Prof. Atkinson, demasiado presa ao utilitarismo. No entanto, e apesar destas lacunas, o Professor Atkinson considera que a Economia Pública tem algo a dizer sobre os programas de austeridade. Porque nem todos os programas de austeridade são iguais. Existem programas alternativos e a Economia Pública deve contribuir para evidenciar as fraquezas e as potencialidades de cada uma delas.

D)         Contributo para a teoria das desigualdades.
Se a contribuição de Atkinson é importante para a economia pública o seu principal contributo para a ciência económica está ligado ao estudo da distribuição do rendimento e da riqueza e à sua ligação com as desigualdades e a pobreza.
O seu artigo de 1970, publicado no The Journal of Economic Theory, On the measurement of income inequality’ constitui a pedra basilar para o desenvolvimento da teoria das desigualdades que se lhe seguiu e para a investigação empírica deste fenómeno. Neste artigo dois importantes contributos merecem destaque particular.
Em primeiro lugar, as questões da medição da desigualdade. Até à publicação deste artigo grande parte dos estudos utilizava o Índice de Gini e a Curva de Lorenz para analisar a distribuição do rendimento e estimar o nível de desigualdade. A utilização destes instrumentos analíticos para medir a desigualdade surgia amiúde associado a uma pretensa objetividade dessa mesma medida. Atkinson propôs uma classe particular de índices de desigualdade, que passou a ser conhecida como a família de índices de desigualdade de Atkinson. A principal característica desta medida proposta por Atkinson é a de que ela evidencia que qualquer instrumento de medida da desigualdade é subjectiva, exigindo um posicionamento normativo prévio acerca da importância que cada indivíduo atribui à desigualdade. Somente após definirmos o nível de aversão à desigualdade é possível medi-la.
A família de índices de desigualdade de Atkinson incorpora diferentes tipos de função de bem-estar social desde uma função maximin de tipo Rawlsiano com um grau de aversão à desigualdade infinito até às funções de bem-estar utilitaristas de Benthan com aversão à desigualdade nula. A ideia chave que emerge desta medida de desigualdade é a de que a escolha de como medir a desigualdade nunca é neutra mas incorpora necessariamente um conjunto de valores de tipo normativo.
Um segundo importante contributo do referido artigo tem a ver com a identificação das condições em que a não intercepção das curvas de Lorenz conduz a uma ordenação inequívoca da desigualdade de duas distribuições de rendimento. Este estudo é claramente pioneiro na análise da dominância estocástica das distribuições de rendimento, que posteriormente se estendeu em múltiplas direcções. O próprio Atkinson viria mais tarde, em 1987, a estender as questões da dominância estocástica associada à análise gráfica das curvas de Lorenz ao estudo da pobreza, introduzindo o conceito de dominância restrita num determinado intervalo da escala dos rendimentos relevante para a identificação do limiar de pobreza e para a utilização das curvas de défice de recursos da população pobre.

E)          A importância do Estado Social.
Uma outra área a que a obra do Professor Atkinson atribui uma importância fundamental é a do estudo do papel e do funcionamento do Estado Social nomeadamente na sua relação com o funcionamento do mercado de trabalho. As suas obras traduzem uma reflexão profunda do sistema do Welfare State e das reformas necessárias para a sua consolidação. A questão da segurança social e da sustentabilidade do sistema de pensões é igualmente objecto de avaliação critica.
Incomes and the Welfare State de 1996 e The Economic Consequences of Rolling Back the Welfare State de 1999 são apenas dois títulos ilustrativos das múltiplas obras publicadas pelo Professor Atkinson acerca da importância do Estado Social e das transformações nele ocorridas nos últimos anos.  

F)          A importância dos dados estatísticos.
Um dos traços mais marcantes da obra do Professor Atkinson é indiscutivelmente a sua capacidade de aliar uma sólida formulação teórica dos problemas a uma análise profunda dos dados empíricos que permitem validar as principais conclusões alcançadas. As questões metodológicas do tratamento da informação, a capacidade de leitura e interpretação dos dados estatísticos ou administrativos estão presentes em obras como Empirical Studies of Earnings Mobility com Bourguignon e Morrisson em 1992, Economic Transformation in Eastern Europe and the Distribution of Income com Micklewright em 1992, Income Distribution in OECD Countries com Rainwater Smeeding em 1995 e Poverty in Europe de 1998.
Os estudos recentes realizados pelo Professor Atkinson e outros autores acerca da parte superior da distribuição dos rendimentos, tendo como base os dados fiscais existentes em diversos países reflectem uma nova forma de utilização da informação e possibilitam uma visão de longo prazo da importância dos rendimentos mais elevados na distribuição dos rendimentos. A associação entre o crescimento da proporção do rendimento total auferida pelos indivíduos mais ricos ao longo dos últimos trinta anos e o aumento das desigualdades surge claramente evidenciada nos vários estudos constantes do livro Top Incomes – a Global Prespective editado em 2010 pelo Professor Atkinson e por Thomas Picketty.
Mas a relevância atribuída pelo Professor Atkinson à informação disponível para a investigação vai mais longe do que a exigência da qualidade dos dados ou dos cuidados a ter no seu tratamento. É necessário que essa informação esteja disponível para utilização pelos investigadores. A participação do professor Atkinson, juntamente com Tim Smeeding e L. Rainwater, na criação da base de dados do ‘Luxembourg Income Study’ e, mais recentemente a sua participação na criação do ‘The World Top Incomes Database’  são exemplos do seu esforço para atrair novos investigadores e para potenciar os estudos sobre a distribuição do rendimento e as desigualdades.
A investigação do Prof. Atkinson está igualmente na origem do modelo Euromod, um modelo integrado de microssimulação das políticas fiscais e de transferências sociais que actualmente abrange todos os países da União Europeia.

G)         A intervenção ao nível da política social na UE.
O Professor Atkinson tem igualmente desempenhado um papel extremamente activo na discussão dos principais contornos da política social europeia nos últimos anos. A sua participação quer em fóruns europeus de debate da política social, em comités especializados promovidos pela UE, quer ainda os seus textos sobre aspectos concretos do desenvolvimento e aprofundamento das questões sociais na Europa tem permitido aprofundar o debate sobre a Europa Social e o seu futuro.
Neste contexto salientaria a publicação do livro Social indicators: The EU and Social Inclusion, publicado em 2006 em conjunto com Marlier, Cantillon e Nolan, no qual se procede a uma análise aprofundada dos indicadores sociais utilizados na UE para a avaliação da dimensão social das diferentes políticas e se propõem medidas concretas para o seu melhoramento. O aprofundamento da coesão social na Europa e o papel dos indicadores de monitorização dos seus objectivos é igualmente analisado pelos mesmos autores numa obra de 2009 intitulada The EU and Social Inclusion: facing the challenges.
Mais recentemente, em 2010, a publicação de diversos estudos sob o título de Income and living conditions in Europe editado pelo Professor Atkinson permite discutir os principais temas da agenda social europeia (desemprego, desigualdade e pobreza, saúde, educação, privação e exclusão social) num contexto particularmente importante na definição da política social europeia e da definição dos principais contornos da estratégia 2020 no que concerne à inclusão social.

H)        O Prof. Atkinson e o ISEG.
Desde meados da década de noventa do século passado o ISEG e os seus investigadores na área da distribuição do rendimento e das políticas sociais têm beneficiado do apoio, do estímulo e do profundo conhecimento científico do Prof. Atkinson. Relembro a sua participação na Conferência Realizada por Ocasião do Jubileu Académico de Prof. Francisco Pereira de Moura em 1995, a sua participação no seminário comemorativo dos 25 anos do CISEP em 2007 e, mais recentemente, a sua intervenção em 2011 na apresentação do estudo sobre Desigualdades em Portugal desenvolvido pelo ISEG para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde apresentou uma comunicação subordinada ao título ‘Desigualdades e Crises Financeiras’.
A obra do Professor Atkinson é actualmente uma fonte inspiradora de diversas dissertações de mestrado e de doutoramento desenvolvidas no ISEG.

I)            Conclusão.
É-me impossível descrever nesta breve apresentação todos os contributos que o Professor Atkinson deu à teoria económica, à universidade e à sociedade. Espero, no entanto, que esta apresentação, embora incompleta e imperfeita, permita evidenciar a relevância que a sua obra constitui para todos nós.

2 comentários:

  1. Surpreendida pelo anúncio da morte do Prof. Anthony Atkinson, exprimo o meu pesar pelo seu desaparecimento, pois tal representa,além de perda de uma vida humana riquíssima, também uma enorme perda para a ciência económica, carente de contributos, como o de Tony Atkinson, no sentido do bem comum e da coesão social.
    Agradeço ao Carlos Farinha, seu brilhante discípulo,a informação valiosa condensada neste post que permitirá a potenciais interessados levar por diante o legado deste Mestre que, precocemente, nos deixou.

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  2. Olhando para 2016 e para os desaparecimentos inesperados de pessoas que durante ele aconteceram, quem terá mais contribuído para que o mundo, que vivemos e fazemos, se tenha tornado mais justo, mais fraterno, mais solidário e mais feliz?
    David Bowie, Prince, George Michael, Carrie Fisher ou Tony Atkinson?
    Em relação aos quatro primeiros, vimos acontecer, durante vários dias, manifestações públicas da mais variada índole e as primeiras páginas dos periódicos e noticiários deram-lhe um destaque inusual. Todos eles, ocasional, ou permanentemente, pelas suas canções e pelas mensagens que transmitiam, ajudaram a que muitos de nós se pudesse sentir mais feliz.
    Quer disso se tenha ou não consciência, Tony Atkinson, forneceu os instrumentos necessários, em termos de medida e de objetivos, a que a humanidade se possa a vir a reivindicar, de forma sustentável, de mais felicidade.
    A recordatória que aqui nos trás o Carlos Farinha é totalmente demonstrativa a este respeito.
    Veremos o que é que os tão fluentes jornalistas económicos, do nosso dia a dia, nos dizem sobre a partida do Professor Tony Atkinson.

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